Após tarifas anunciadas por Trump contra Brasil, Lula
anunciou retaliação antes de tentar negociar (Foto: André Borges/EFE)
29 de julho de 2025 - 5 minutos para saber
O presidente americano Donald Trump confirmou neste domingo
(27) que as novas tarifas sobre importações dos Estados Unidos entrarão
mesmo em vigor na próxima sexta-feira (1º).
Enquanto União Europeia, Reino
Unido, Japão, Indonésia, Vietnã e Filipinas conseguiram fechar acordos com os
EUA para reduzir a taxação anunciada sobre seus produtos, o governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) nem sequer conseguiu abrir uma mesa de negociação.
A dificuldade do Brasil para estabelecer uma conversa com o
republicano se deve em parte a atitudes do governo, que, desde o anúncio da
tarifa de 50% sobre mercadorias brasileiras, tem buscado estabelecer um clima
de confronto com o presidente americano.
Trump anunciou o tarifaço contra o Brasil no dia 9 de julho,
alegando que os Estados Unidos têm déficit na relação comercial com o Brasil.
Ele afirmou ainda que o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) por suposta tentativa de golpe de Estado também
contribuiu para a sanção contra o Brasil. Desde abril, produtos brasileiros são
taxados nos EUA em 10%.
Logo após o anúncio, Lula reagiu dizendo que estatísticas do
próprio governo americano comprovam um superávit dos Estados Unidos no comércio
de bens e serviços com o Brasil da ordem de US$ 410 bilhões ao longo dos
últimos 15 anos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já tentou contato
com o homólogo nos Estados Unidos, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, mas
teria recebido como resposta a informação de que o processo está na Casa
Branca.
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), coordena um grupo de trabalho que
tenta reduzir a taxação, mas também encontra resistência.
Na sexta-feira (25), Lula disse que Alckmin tenta
diariamente, sem sucesso, negociar com os Estados Unidos. “Todo dia ele liga
para alguém e ninguém quer conversar com ele”, afirmou o petista.
A Casa Branca avalia não
ter percebido envolvimento relevante ou ofertas significativas do
Brasil na negociação de um acordo, segundo uma autoridade americana ouvida
pelo jornal Folha de S.Paulo.
Confira a seguir atitudes do governo que fazem do Brasil o
pior país a lidar com as tarifas dos Estados Unidos:
Em vez de abrir negociação, Lula anuncia retaliação aos
Estados Unidos
Em entrevista concedida no dia 10 à TV Record, Lula
declarou, em tom de enfrentamento, que “se
ele [Trump] cobrar 50[%] de nós, vamos cobrar 50[%] deles”, anunciando que
lançaria mão da reciprocidade de tarifas. Ele ainda fez críticas à atuação do
presidente americano nos últimos anos.
“Se o que o Trump fez no Capitólio ele tivesse feito aqui no
Brasil, ele estaria sendo processado como o Bolsonaro e arriscado a ser preso”,
referindo-se à invasão da sede do Legislativo americano em 6 de janeiro de 2021
por apoiadores do republicano que contestavam o resultado das eleições.
Lula também rebateu críticas sobre violações de direitos
humanos praticadas por autoridades brasileiras, especialmente no STF. Ele
afirmou que o Brasil é soberano e que “quem quiser fazer negócio no Brasil deve
respeitar as leis brasileiras”.
Segundo ele, o STF atua de forma independente e que seu
governo respeita essa autonomia.
Reação do governo pode ter efeito ainda mais negativo
sobre a economia
A retaliação contraria as expectativas de empresários dos
principais setores afetados, que pedem
ao governo que negocie uma saída com os Estados Unidos.
Analistas consideram que uma reação do governo Lula à
tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros pode ter um efeito maior sobre a
economia do que o próprio aumento das alíquotas.
Logo após o anúncio do “tarifaço”, o mercado avaliava o
impacto macroeconômico como “marginal” e “gerenciável”. A corretora XP
Investimentos chegou a prever até mesmo um impacto deflacionário com a
medida.
Com a possibilidade de retaliação brasileira, o cenário
muda. “Os Estados Unidos falaram que vão responder na mesma proporção, ou seja,
as tarifas irão para 100%”, disse Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia
da Tendências Consultoria.
“Aí os efeitos serão ainda mais expressivos, não só do ponto
de vista setorial e do ambiente de aversão ao risco, mas também domesticamente,
para a atividade econômica, com reflexos inflacionários.”
O cenário pode levar o Banco Central a postergar o início do
ciclo de queda de juros, previsto inicialmente para janeiro pela
consultoria.
“O risco maior não é apenas o efeito econômico direto das
tarifas, mas a sinalização de um ambiente internacional mais hostil ao Brasil,
especialmente se a retaliação brasileira for mal calibrada”, apontou ainda o
BTG Pactual.
Apelo à OMC deve ser inócuo
Outra medida já anunciada por Lula contra as tarifas
americanas é recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC). Para Leonardo
Paz, pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getulio
Vargas (FGV), no entanto, o órgão perdeu relevância no cenário internacional,
em grande parte, à atuação dos Estados Unidos.
Desde o governo de Barack Obama (2009-2017) e com maior
intensidade na primeira gestão de Trump (2017-2021), os EUA se indispuseram com
a entidade devido a derrotas comerciais, opondo-se à designação de juízes que
atuam na arbitragem das contendas.
Paz explicou que, ao recorrer à OMC, mais do que uma solução
prática e efetiva para a questão tarifária, o governo faz um gesto político em
defesa do multilateralismo — um discurso já adotado na última cúpula dos Brics,
que aconteceu no início do mês no Rio de Janeiro. De forma prática, ele
considera difícil o Brasil ter algum ganho econômico real.
Lula usa tarifaço para taxar big techs americanas e
arrecadar mais
Em resposta a uma investigação comercial aberta pelos
Estados Unidos contra o Brasil, Lula fez um pronunciamento em rede nacional no
dia 17, quando defendeu a
taxação e a regulamentação da atuação de grandes empresas de tecnologia –
as chamadas big techs.
“A defesa da nossa soberania também se aplica à atuação das
plataformas digitais estrangeiras no Brasil. Para operar no nosso país, todas
as empresas nacionais e estrangeiras são obrigadas a cumprir as regras.”
No mesmo dia, em um evento da União Nacional dos Estudantes
(UNE), em Goiânia, Lula referiu-se diretamente ao presidente americano. “Ele
[Trump] disse que não queria que as empresas fossem cobradas no Brasil. O mundo
tem que saber que esse país é soberano porque o povo tem orgulho. E a gente vai
cobrar imposto das empresas americanas digitais”, afirmou.
Para o especialista em Direito Digital, Inteligência
Artificial e Cibersegurança, Alexander Coelho, no entanto, a proposta, no
fundo, revela uma tentativa de aumentar a arrecadação fiscal por meio de
retórica ideológica. “É curioso que se fale em equilíbrio competitivo enquanto
o próprio Estado ignora os gargalos estruturais que afastam empresas do
Brasil", afirmou.
No dia 22, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda,
Dario Durigan, contrariou as declarações de Lula, afirmando que o governo não
discute a taxação de empresas de tecnologia americanas.
Em vez de enviar comitiva aos Estados Unidos, governo
grava vídeos para internet
A atuação do governo federal nas redes sociais com
comentários sobre o tarifaço de Trump também gerou críticas por parte de
opositores, que consideram a medida inadequada. O governador do Paraná, Ratinho
Júnior (PSD), foi
um dos que falaram sobre o assunto, neste sábado (26), em evento da XP
Investimentos.
“É um governo que, sobre uma questão tão importante como
essa discussão do tarifaço do Trump, muitas vezes se vitimiza demais: ‘Ah, é
uma coisa pessoal com o Brasil.’ Não. O Trump fez isso com a China, o Japão, as
Filipinas, a Índia, o México e o Canadá. E o que os outros países fizeram?
Foram lá, mandaram o seu chanceler, mandaram os seus representantes e sentaram
na mesa para discutir. Aqui a gente faz vídeo na internet para brincar com esse
assunto — como lamentavelmente o presidente da República fez esses últimos
dias.”
No mesmo evento, o ministro dos Transportes, Renan Filho,
foi alvo de risadas da plateia, ao defender Lula. “Hoje mesmo o presidente, num
ato em Osasco, disse que Alckmin está representando o Brasil na negociação, uma
das pessoas mais qualificadas, quatro vezes governador de São Paulo,
experiente, calmo e quer conversar com os Estados Unidos”, disse o
ministro.
O mediador do painel, Rafael Furlanetti, diretor de Relações
com Investidores da XP, interveio. “Mas ministro, o presidente não deveria
estar nos Estados Unidos negociando, em vez de em Osasco?”, perguntou.

Por Célio Yano