Ricardo
Stuckert/PR
20/08/2025 | 7 min de leitura
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) tem assumido ao longo de seu terceiro mandato um papel que nem mesmo os
principais líderes dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos) parecem dispostos
a ocupar: o de defensor ideológico de uma nova ordem econômica mundial que
prescinda do dólar como moeda de referência.
Para analistas ouvidos pela reportagem,
a pressão colocada pelos Estados Unidos sobre o Brasil - por meio das tarifas
aos produtos importados - contém a mensagem de que o país terá que se
posicionar no contexto geopolítico de um mundo polarizado.
"Lula tornou-se um porta-voz da narrativa de substituição do dólar, algo
que nem mesmo outros líderes do grupo sustentam publicamente. Narendra Modi
(Índia), próximo presidente rotativo do bloco, evita o tema. O líder chinês
prefere o silêncio. O russo, sobrecarregado por problemas internos, também não
insiste. Sobrou a Lula sustentar um discurso ideológico, mesmo após receber a
carta de Trump anunciando o tarifaço", disse Cezar Roedel, mestre em
Relações Internacionais.
De acordo com Roedel, o discurso de Lula
é alimentado pelo assessor especial Celso Amorim e parte de uma leitura
antiquada da geopolítica, pois cerca de 90% das transações cambiais e quase
metade do comércio global de mercadorias são realizados na moeda americana.
Além disso, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), nos fluxos do comércio
brasileiro, a participação do dólar é de mais de 95% nas exportações e 81% nas
importações.
"É acreditar, de forma quase
ingênua, que o Brasil teria posição de destaque em uma nova ordem mundial sem o
dólar. Na prática, trata-se de um sonho ideológico, ancorado numa visão
ultrapassada de mundo dividido pela linha do Equador, com o hemisfério Norte
dominante e o chamado “Sul Global”, denominação exótica para países que, mesmo
no Ocidente, se colocam contra o regime ocidental e frequentemente demonstram
simpatia por ditaduras", disse Roedel.
Apesar de Rússia e China não defenderem
publicamente a substituição do dólar como moeda de comércio global, a pauta é
de interesse direto desses países. Moscou se beneficiaria já que é alvo de
sanções econômicas por conta da guerra na Ucrânia. Já a China deseja que sua
moeda, o yuan, altamente controlada por seu banco central, seja um dia a
substituta do dólar no posto de principal unidade monetária do comércio
mundial.
Os dois países já desenvolveram sistemas
de pagamento alternativos, onde realizam trocas usando suas moedas locais sem
intermédio do dólar. Mas é o presidente brasileiro que vem dando declarações
públicas sobre o tema para tentar confrontar a hegemonia americana.
Na avaliação de especialistas, a pauta
do “fim do dólar” tem hoje mais utilidade política doméstica do que viabilidade
econômica ou diplomática. É o que destaca o cientista político Adriano
Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-BH. “O
Brasil não é protagonista no cenário internacional. O discurso de Lula serve
para reforçar alianças ideológicas e projetar influência no Sul Global, mas a
realidade é que seu alcance é limitado”, resume Gianturco.
"Em última instância tem a questão
ideológica, mas isso é o último fator, porque na verdade a relação [entre
os países do Brics] é feita mais de interesses do que de poder mesmo. A questão
ideológica é mais a questão da narrativa, do marketing, da propaganda para o
público doméstico, para os eleitores, para os leigos", disse.
Enquanto isso, a política externa
brasileira acumula sinais de isolamento: perda de prestígio na Europa, atritos
com os EUA e associação a regimes sancionados internacionalmente. Mesmo China e
Rússia, mostram mais cautela do que Lula na hora de confrontar abertamente o
papel do dólar no comércio global.
Com informações da Gazeta do Povo