Substância mata o mosquito ou compromete sua
reprodução, afetando o ciclo de várias viroses. Poderia estar no SUS em pouco
tempo, mas falta dinheiro
Professor
Rodolfo Giunchetti diz que o estudo vai possibilitar a produção de milhões de
doses da indústria
(foto: Sidney Lopes/EM))
Uma vacina com proposta revolucionária de combate ao Aedes aegypti,
desenvolvida nos laboratórios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
está ameaçada por falta de financiamento, apesar de seu potencial para
enfrentar as várias viroses transmitidas pelo mosquito, com aplicação no Brasil
e em várias partes do planeta. O imunizante é o único no mundo por meio do qual
o ser humano, ao ser imunizado, se torna “tóxico” ao inseto, matando ou
prejudicando a reprodução do transmissor de males como dengue, zika,
chikungunya e febre amarela. Com verbas suficientes para continuidade dos
estudos, em um prazo de cinco anos o país poderia fazer uso da nova droga e
incorporá-la ao calendário nacional de vacinação via Sistema Único de Saúde
(SUS). “Temos a consciência de desenvolver um produto que seja barato e tenha
apelo para o SUS para combater epidemias. E certamente ele não ficará restrito
ao país”, afirma o professor Rodolfo Giunchetti, coordenador da pesquisa que
gerou tese de doutorado e cujo resultado foi patenteado.
Os estudos em busca de uma vacina contra insetos que
se alimentam de sangue e que transmitem doenças de importância médica e
veterinária começaram há cerca de oito anos no Instituto de Ciências Biológicas
(ICB) da UFMG. Giunchetti explica que esse tipo de imunizante representa uma
vantagem tecnológica para o Brasil, pois combater o mosquito é mais eficaz do
que vacinar a população contra cada uma das doenças que ele transmite. “Além
disso, essa vacina pode ser associada à imunização contra algumas doenças, como
dengue”, afirma o professor do Departamento de Morfologia.
Enquanto a pesquisa corre o risco de definhar por falta de dinheiro, as
enfermidades que ela ajudaria a combater são preocupação constante para a
população e o poder público. Em relação à febre amarela, cujo vírus pode se
urbanizar e passar a ser transmitido pelo Aedes aegypti, o estado já confirmou,
apenas este ano, 486 casos, com 155 mortes comprovadas. A dengue, outra virose
disseminada pelo inseto, tem 14.781 registros suspeitos nos quatro primeiros
meses de 2018, com três casos fatais confirmados e nove sob investigação. A
febre chikungunya tem 4.310 notificações – média de 38,1 por dia –, conforme
boletim divulgado no início da semana pela Secretaria de Estado de Saúde,
enquanto a zika tem 170 diagnósticos prováveis.
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(foto: Arte EM) |
MECANISMO As formulações
da vacina desenvolvida na UFMG contêm proteínas importantes para a vida do
inseto e geram nas pessoas imunizadas a produção de anticorpos contra essas
proteínas. Ao se alimentar do sangue com esses anticorpos, o Aedes aegypti
sofre alterações em sua fisiologia que podem levá-lo à morte ou, no mínimo, provocar
sérios danos à cadeia reprodutiva. O professor explica que o indivíduo que
receber a dose não estará automaticamente protegido contra as viroses
transmitidas pelo vetor, “mas o componente vai ajudar a eliminar o mosquito, o
que, em última instância, provoca o fim dessas doenças por falta do principal
elo de transmissão”. Além disso, o imunizante pode ser associado a outras
vacinas, como a da dengue, que está em processo de desenvolvimento.
“Se conseguirmos entregar algo que cause distúrbio naquele inseto que tenta
se alimentar de nós, conseguiremos comprometer o desenvolvimento do mosquito”,
diz. O trabalho é parte da tese de doutorado da pesquisadora Marina Luiza
Rodrigues Alves. Ela desenvolveu a formulação e a usou como prova de conceito.
Observou que um terço dos insetos que picava animais imunizados morria
imediatamente. Ao acompanhar o ciclo completo do inseto, a pesquisadora
constatou redução significativa no número de ovos e baixa viabilidade das pupas
(forma entre a fase larval e a adulta), que se desenvolveram mal ou morreram.
Percebeu-se redução de cerca de 60% no ciclo do Aedes.
"Temos
biotério de macacos, hospital na UFMG e condições de fazer todos os estudos,
mas falta o principal: dinheiro"
Professor Rodolfo Giunchetti,
coordenador da pesquisa
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Para o estudo inicial da prova de conceito foi usada uma vacina rudimentar, que
serviu para verificar se o experimento funcionaria. Depois dos primeiros
resultados, os pesquisadores partiram para a segunda etapa: achar uma
formulação que permita a produção em larga escala. “Encontramos quatro
formulações que podem ser produzidas em milhões de doses pela indústria”,
revela Rodolfo Giunchetti.
O alvo são as fêmeas do Aedes, que picam em busca do sangue,
necessário para o amadurecimento do ovário e a produção de ovos. Ela digere o
sangue, põe os ovos e volta para se alimentar. O ensaio pré-clínico da vacina
foi feito em camundongos, que, depois de receber a dose, produziram anticorpos
capazes de induzir alterações no inseto, resultando em desequilíbrio fisiológico
de alto impacto. Os próximos passos são testes em macacos e em humanos. Para
isso, a pesquisa depende de financiamento. Saiba mais: Minas tem média de 38,1 casos
prováveis por dia de chikungunya em 2018
Pesquisador à espera de financiadores
O estudo desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que
resultou em vacina que mata o mosquito Aedes aegypti é parcialmente financiado
por parceria firmada entre Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) e Ministério da Saúde. Na UFMG, conta com a participação de professores
dos departamentos de Morfologia e de Parasitologia. Também participam
pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto, do Centro de Pesquisas
René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (CpqRR-Fiocruz) e do Instituto Butantan.
“Temos R$ 1,3 milhão, o que não cobre o restante das etapas. O estudo para os
testes humanos é caro. Temos biotério de macacos, hospital na UFMG e condições
de fazer todos os estudos, mas falta o principal: dinheiro”, ressalta o
professor Rodolfo Giunchetti, coordenador da pesquisa que gerou a substância
patenteada de combate ao Aedes. As formulações para produção em larga escala,
por exemplo, só foram obtidas graças a recursos de outros projetos.
Com dinheiro em caixa, a vacina poderia ter registro submetido à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em cinco anos. “A indústria,
historicamente, não tem hábito de financiar projetos da área de saúde. Para
termos um cenário parecido com o dos Estados Unidos, é preciso amadurecimento
do empresariado. Esperamos que o setor privado se interesse e financie as
etapas finais de desenvolvimento da vacina.”
APOSTA A parceria com o setor privado é expectativa da UFMG para
equacionar um dos desafios da universidade, conforme mostrou o Estado de Minas
na semana passada: transformar os mais de 800 depósitos de patentes da
instituição em produtos de mercado. Para isso, a instituição pretende lançar
mão da flexibilidade criada pelo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação
(Lei 13.243/16) para fazer parcerias com empresas, arrecadar royalties e,
assim, se livrar da atual dependência financeira das agências públicas,
responsáveis por bancar a pesquisa no Brasil.
Para isso, a maior instituição de ensino superior de Minas aprovou em dezembro
do ano passado sua Política de Inovação, com as diretrizes gerais para atender
a várias demandas da nova legislação. Ela passou pelo crivo do Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão e, em seguida, do Conselho Universitário.
R$ 68 mi para hospitais
O Ministério da Educação anunciou ontem cerca de R$ 68 milhões para
hospitais universitários federais, como o Hospital das Clínicas da UFMG. A
verba vem de programa gerido pela Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares (Ebserh), com liberação por meio de portarias do Ministério
da Saúde. Do total, R$ 50,8 milhões vão para o custeio de materiais de uso
diário nas unidades e R$ 17,8 milhões para obras e equipamentos.
Dê: EM