Trump está certo. A cultura do cancelamento é a arma principal no arsenal dos intolerantes. Em seu discurso de 4 de julho no Monte Rushmore, Trump falou sobre a “arma política da cultura do cancelamento” — a sede totalitária de “afastar pessoas de seu emprego, envergonhar dissidentes e exigir uma submissão total de quem discordar”.
Sobre o culto ao empoderamento, a ideologia do politicamente correto que diz que há apenas uma maneira de pensar sobre história, raça, gênero e inúmeras outras questões, Trump declarou: “Se você não fala a língua deles, realiza seus rituais, recita seus mantras, e segue seus mandamentos, será censurado, banido, incluído na lista negra, perseguido e punido”.
Qualquer pessoa que tenha estado atenta nas últimas quatro semanas saberá que Trump está certo. Terá testemunhado a raiva furiosa e misógina contra J. K. Rowling por se recusar a falar a língua das novas elites despertadas — a criadora do personagem Harry Potter apenas comentara no Twitter que o termo “pessoas que menstruam”, utilizado numa reportagem, poderia perfeitamente ser substituído por “mulheres”; houve, então, um violento furor, sob alegação de que ela estaria sendo preconceituosa contra homens trans que menstruam. Observadores diligentes lembrarão que o secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Dominic Raab, foi severamente criticado por dias por não se ajoelhar em reverência ao slogan Black Lives Matter e a toda a bobagem identitária que se esconde por trás disso.
E eles viram o ator negro e apresentador de TV Terry Crews ser denunciado como traidor da raça por se recusar a recitar os mantras do novo identitarismo — no caso de Crews, expressando preocupação de que o grito “vidas negras importam” possa se transformar em uma crença de que “vidas negras são melhores”. Em suma, Crews estava flertando com a grande blasfêmia de nosso tempo — a ideia de que “todas as vidas são importantes”.
Há os que estão convencidos de que têm todas as ideias certas e precisam reorganizar a mente daqueles que não as têm
E, no entanto, qual tem sido a resposta das elites liberais ao discurso de Trump? Negação pura e bizarra. Elas insistem que a cultura do cancelamento é um mito. Dizem que não há guerra cultural contra o passado ou contra os valores morais e culturais das pessoas comuns. É uma mentira espalhada por gente de direita como Trump. De fato, se alguém está iniciando uma guerra cultural, é Trump, dizem. “Trump alimenta a guerra cultural no Monte Rushmore”, como dizia a manchete do jornal The New York Times.
Por que é uma guerra cultural quando Trump critica a cultura do cancelamento e defende a Revolução Americana, mas não é uma guerra cultural quando o New York Times lança um vasto projeto multimídia para diminuir a importância de 1776, o ano em que a América declarou independência, e elevar a relevância de 1619, o ano em que os escravos chegaram aos Estados Unidos? Por que é uma guerra cultural quando Trump incentiva seus apoiadores a enfrentar o novo autoritarismo, mas não há guerra cultural quando o New York Times cede a seus jovens funcionários empoderados e despede seu editor de opinião pelo crime de publicar um artigo “errado” sobre os recentes distúrbios relacionados à morte de George Floyd? Por que é uma guerra cultural quando quem é de direita reclama de intolerância e censura, mas não uma guerra cultural quando as elites culturais impõem tais coisas?
A reação ao discurso de Trump no Monte Rushmore forneceu uma visão fascinante da situação contemporânea, da perspectiva daqueles que estão convencidos de que têm todas as ideias certas e que agora precisam limpar e reorganizar a mente daqueles que não as têm.
A vida no espaço de autorreforço da opinião correta distorce o intelecto humano
O mais impressionante é a dissonância cognitiva. Mesmo quando as estátuas continuam a cair, essas pessoas afirmam que não há guerra cultural contra os valores do passado. Mesmo que as imagens de George Washington sejam queimadas e abusadas e os monumentos a Cristóvão Colombo sejam decapitados e manchados de insultos, elas insistem que não há guerra cultural — exceto daqueles que dizem “deixe as estátuas em paz”, é claro. Mesmo que J. K. Rowling continue sendo submetida a uma série de insultos misóginos, elas alegam que não existe uma cultura séria de intolerância. Mesmo que as pessoas literalmente percam o emprego por criticar o Black Live Matter, elas dizem que o cancelamento do politicamente correto é um mito inventado pelos apoiadores da direita.
É notável. E revelador. Impressiona o nível de autoengano e revela que a vida dessas pessoas se restringe a uma câmara de eco. Pois quando você habita um “espaço seguro”, quando se volta contra o que considera difícil, desafiador ou simplesmente divergente, uma série de coisas ruins acontece. Você se torna dogmático, uma vez que se apega cada vez mais a suas crenças não porque as testou na esfera pública (isso é muito assustador), mas porque simplesmente sabe que elas estão certas. Torna-se menos adepto do pensamento crítico e da autorreflexão crítica. Afinal, como afirmou o cardeal John Henry Newman, “o intelecto humano cresce da oposição”. Forçar-se contra a oposição atrapalha a capacidade de raciocinar e mudar.
E você se torna ingênuo. Divorciado da realidade. Tão cegamente convencido de sua própria justiça que nem reconhece sua censura, sua fúria e seu ódio pelo que são. Para você, são coisas boas e normais. Para você, é bizarro quando alguém o acusa de estar envolvido em cruzadas cruéis de intolerância contra pessoas que simplesmente discordam de você. Passa a acreditar que a cultura do cancelamento é uma coisa decente, a resposta certa para aqueles que são moralmente caídos e que se recusam a falar a língua, realizar os rituais e recitar os mantras de comunidades políticas como a sua. A vida no espaço de autorreforço da opinião correta distorce o intelecto humano a tal ponto que os habitantes desse espaço confundem seu dogma com a verdade, sua censura com um bem público e sua extraordinária crueldade para com os dissidentes com correção moral essencial.
Os que negam a existência do cancelamento vivem num mundo de fantasia no qual eles são os decentes
Em certo sentido, devemos simpatizar com aqueles que dizem que a cultura do cancelamento é um mito. Alguns deles estão apenas mentindo, com certeza, tentando desesperadamente desviar as críticas de seu comportamento imoral. Mas outros dizem isso porque estão totalmente perdidos em meio ao culto cada vez mais frequente à hiperfragilidade. Não conseguem ver o erro que estão cometendo. Entretanto, isso é ruim para aqueles como nós que queremos entender e desafiar a nova política da falta de liberdade. E também é ruim para os negadores, que vivem em um mundo de fantasia no qual eles são os decentes e progressistas no lado certo da história, quando nada poderia estar mais longe da verdade. Tal autoilusão não é saudável.
Então, vamos esclarecer as coisas. A cultura do cancelamento é real e é incrivelmente destrutiva. Aqui está apenas uma pequena parte das pessoas canceladas por pensar diferente no Reino Unido nos últimos anos. A parlamentar trabalhista Sarah Champion perdeu seu lugar na liderança da oposição britânica por se atrever a falar sobre meninas da classe trabalhadora que estavam sendo estupradas por gangues muçulmanas. Alastair Stewart perdeu o emprego na ITV News por um tuíte que alguns disseram erradamente ser racista. O mesmo aconteceu com o apresentador de rádio Danny Baker.
Maya Forstater perdeu o trabalho por ousar criticar o culto ao transgênero. Selina Todd e Julie Bindel estão sem lugar de fala com o público pelo mesmo crime de pensamento. Graham Linehan foi expulso do Twitter por duvidar da capacidade de os homens se tornarem mulheres. Toby Young perdeu o emprego na educação depois que um grupo no Twitter o submeteu a uma rodada de arqueologia ofensiva politicamente vingativa e desenterrou algumas piadas antigas que ele havia feito. A Baronesa Nicholson foi dispensada pelo Prêmio Booker por “transfobia”, um apresentador de rádio da Ilha de Man foi suspenso por criticar a ideia de privilégio dos brancos (agora ele foi reintegrado) e um jornalista galês foi removido do painel de jurados de um prêmio de literatura depois que ele criticou o Black Lives Matter.
Contudo, aqui está o ponto crítico: mesmo quando os alvos dos cancelamentos não perdem o emprego, a cultura do cancelamento continua tendo o efeito nocivo desejado. Asfixia o debate aberto. Envia um aviso claro ao público: expresse essas opiniões e você poderá ser punido; pode até perder sua renda. De fato, o problema central da cultura de cancelamento não é o que faz aos indivíduos — por mais terrível que seja —, mas o que faz à vida pública de maneira mais ampla. Considere o caso de J. K. Rowling. “Ela ainda é uma autora de sucesso. Ela não foi cancelada”, dizem os apologistas misóginos dos ataques que ela recebeu. Rowling, é claro, é um fenômeno cultural global demais para ser cancelado. Isso não funciona nela. Mas e as pessoas que compartilham suas opiniões porém não desfrutam de seu nível de segurança financeira ou cultural? Elas a verão sendo submetida a ameaças de estupro, ameaças de morte, boicotes e difamação e concluirão: “Expressar verdades biológicas é muito arriscado. Não vou fazer isso”.
Essa é a conquista mais grotesca da cultura: cancelar a discussão diária; fazer de pensadores preeminentes exemplos para avisar toda a população; impor e policiar parâmetros de pensamento aceitável e deixar claro que quem se afasta deles corre o risco, nas palavras de Trump, de ser “censurado, banido, incluído na lista negra, perseguido e punido”. É real, está errado e é destrutivo. Isso prejudica os indivíduos e destrói a liberdade. Induz medo nas pessoas comuns e atrapalha o debate público. Uma sociedade saudável é construída sobre liberdade, abertura e direitos de dissidência e experimentação intelectual. A cultura do cancelamento mina todas essas coisas. É por isso que deve ser derrotada.
DA: REVISTA OESTE