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FOTO: ILUSTRAÇÃO/REPRODUÇÃO NET
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A
Resolução 2378 do Conselho Federal de Medicina (CFM) de que foi relator
o 2º subscritor,proíbe o procedimento de assistolia fetal em fetos
maiores que 22 semanas por ser método bárbaro de tortura. Tão logo
publicada, militantes do aborto começaram, com argumentos falaciosos, a
tentar revogá-la. Dentre esses argumentos, o tema desse artigo é a
alegação de que o aborto não é punível pelo Código Penal e seria um
direito adquirido, cuja recepção pela Constituição é ainda objeto de
reflexão, em face da clareza do “caput” do artigo 5º da Lei Suprema, que
diz ser o direito à vida inviolável .
Um
dos argumentos é que o Código Penal não oferece direitos, pois o
direito de defesa do acusado é assegurado pelo Código de Processo Penal.
O que ocorre é que o aborto não é punível em três situações: risco de
morte materna e estupro pelo Código Penal e, mais recentemente, casos de
anencefalia baseado na ADPF 54 e que, em 2012, por decisão do Pretório
Excelso, e não do Legislativo, foi criada uma terceira hipótese de
aborto eugênico. Então é preciso diferenciar os casos de risco de morte
materna dos outros dois.
A
mulher que comprovadamente corre o risco de morrer se levar a gravidez
adiante tem o direito à saúde previsto no artigo 196 da Constituição
Federal:
“A
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Então
é importante deixarmos claro que qualquer mulher que corra risco
substancial de morte, caso leve a gravidez à frente, tem o direito de
interromper sua gravidez. Iremos então abordar nesse artigo as duas
situações que o ordenamento jurídico brasileiro autoriza o procedimento
do aborto a ser realizado somente por médicos: estupro e anencefalia.
Entendemos
que mesmo não punível, não há obrigação de realizar-se abortos com base
no desejo de fazê-lo em casos que não sejam de risco de morte da
mulher, principalmente nas hipóteses que envolvam gravidezes com mais de
22 semanas. Os gestores, a nosso ver, têm a liberdade de não realizarem
em seus hospitais, Municípios e Estados abortos de bebês acima de 22
semanas pelo método de assistolia fetal nesta hipótese.
As
ações no Ministério da Saúde do 2º subscritor, enquanto secretário
nacional de Atenção Primária entre 2020 e 2022 e como conselheiro no
Cremerj e CFM trouxeram à luz diversas questões relacionadas ao aborto
que eram omitidas como, por exemplo, a portaria em 2020 que obrigava a
notificação do estupro seguindo a lei de violência sexual foi alvo de
uma ADPF. Somente o Ministério da Saúde declarou-a inválida, deixando a
salvo os estupradores. O manual do aborto, então redigido em 2022, que
proibia assistolia fetal também foi alvo da ADPF 989, mas se constatou a
legalidade estrita do seu conteúdo. E, mais recentemente, a
resoluç&& p;am p;at ilde;o do CFM da qual foi relator o 2º
subscritor, que proibia assistolia fetal em casos de estupro acima de 22
semanas, infelizmente suspensa pelo STF na ADPF 1141. Estamos agindo
para que seja julgada o mais rápido possível para impedir a morte de
bebês viáveis de até nove meses. Enquanto isto, lutamos para que o
Parlamento vote um projeto de lei que é cópia da Resolução do CFM, que
pune o médico que realiza a assistolia fetal.
Não apoiamos as ações que colocam penas nas mulheres maiores que as dos estupradores.
Essas
ações trouxeram luz a dois problemas que os que defendem o aborto
escondiam: não se denunciavam os estupros que levavam a esses abortos,
se descumprindo a lei e ninguém imaginava que se matassem bebês de oito e
nove meses sendo que os estupradores raramente eram punidos.
Agora, enfrentemos essa nova questão: existe direito ao aborto baseado na não punibilidade do código penal? A nosso ver, não!
O
Código Penal é apenas um estatuto que, ao lado do processo penal, que
garante o direito de defesa do acusado contra a sociedade e assegura ao
condenado a não ter pena maior do que a estabelecida. Assim sendo, à
exceção de postulados relacionados à execução de pena, direcionados
àqueles que estão cumprindo alguma sanção penal, as leis penais não
criam outros direitos e nem geram obrigações na órbita civil de nossa
sociedade. O direito penal existe para defender bens jurídicos e
responsabilizar transgressores. Assim, não ser punível em determinadas
situações não significa que existe um direito ao aborto. span>
A
situação correlata seria o homicídio em que não há crime quando o
agente pratica o fato: em estado de necessidade; em legítima defesa; em
estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Mas nem por isso há o direito de matar. E todos os casos são
investigados e, ao final, caso comprovados os requisitos legais, há
absolvição. O que deveria ocorrer nos casos de aborto com excludentes de
punibilidade para os médicos. A mídia e os defensores do aborto, por
meio da insistência em repetir essa falácia, fizeram todos acreditarem
que há um direito natural em realizar o aborto quando apenas não é
punível, exigindo de médicos e gestores que o realizem para quem queira,
mesmo sem risco de morte materna. Inclusive ameaçando e intimidando,
por meio de ações judiciais, os médicos a procederem o homicídio
uterino.
Caso
recente é o da Prefeitura de São Paulo que optou por fechar serviços de
aborto “legal” e é denunciada diariamente pela mídia de que está
restringindo direitos. Não há esse direito previsto em nenhuma lei ou na
Constituição Federal. A nosso ver, é absolutamente lícito que o gestor
se negue a disponibilizar serviços para realização de abortos, salvo,
obviamente, os de risco de morte materna. Mesmo o direito do médico não
realizar o aborto baseado na objeção de consciência já vem sendo
questionado, inclusive por meio de projetos de lei propostospelo PSOL.
Nosso entendimento legal evitaria esse absurdo que é o de matar bebês de
oito e nove meses por meio da assistolia fetal. Temos certeza que em
caso de sedimentação desta inteligência,os gestores deixariam de medo da
prisão, praticamente não haveria serviços realizando essa barbárie.
A
situação de fetos anencefálicos também merece uma discussão mais
aprofundada. Embora o STF tenha decidido que o aborto pode ser realizado
nesses casos com a ADPF 54, legislando em lugar do Congresso para
acrescentar uma terceira hipóteses de aborto não punível, o eugênico, é
importante esclarecer que a decisão foi no sentido de não entender o
bebê anencefálico como ser vivo, já que o conceito de vida é baseado na
atividade cerebral. Não tendo cérebro, não há vida. Portanto, não
haveria que se falar em aborto. Embora discordemos, isso é irrelevante
já que a última palavra é a do Supremo. Essa quest&a mp;a mp;a
tilde;o, todavia, é importante porque o Judiciário utiliza a ADPF 54
para legitimar toda sorte de abortos baseados numa suposta
incompatibilidade com a vida pós o nascimento, inclusive, englobando
situações totalmente compatíveis com a vida extrauterina. O mais
estranho, porém, é que a decisão do STF na ADPF 54 foi de avaliação do
bebê na gravidez e não após o nascimento. Se não há cérebro não há vida.
O Judiciário então passou, muitas vezes, a decidir que em casos
supostamente sem possibilidade de vida após o nascimento poder-se-ia
fazer o aborto. Não conseguimos ver qualquer relação entre essas
decisões e a ADPF 54. Seria como se autorizasse matar pessoas em
situações não previstas.
Situações
já autorizadas para realização de aborto baseadas na ADPF 54 incluem:
síndrome de Patau (trissomia do cromossomo 13 que leva a uma malformação
com comprometimento do sistema nervoso central, face, órgãos e
membros), síndrome de Edwards (trissomia do 18 com retardo no
crescimento fetal, associado à sobreposição dos dedos das mãos e
anormalidades cardíacas e craniofaciais), síndrome de body stalk
(malformação fetal grave decorrente da falha da formação das dobras
cefálica, caudal e laterais do corpo embrionário), acrania fetal
(ausência do crânio), gastrosquise (malformação cong& amp; amp;
ecirc;nita da parede abdominal, ocasionando exposição de estruturas
intra-abdominais, em especial o intestino fetal) e muitas outras. Além
de situações que foram tidas como risco de morte materna baseadas até em
questões psicológicas e psiquiátricas. Nada disso tem qualquer amparo
legal.
Esta invasão de competência do Legislativo provoca decisões que produzem mortes de bebês.
Além
do mais, muitas dessas situações tidas como incompatíveis com a vida
fora do útero não são reais. A própria definição de incompatível com a
vida significa que mais de 90% morrem no período de um ano após o
nascimento. Mas 90% está muito longe de ser a totalidade quando se trata
de vida. Há caso documentado de sobrevivência com síndrome de Patau com
dez anos de sobrevida e na de Edwards, chegando inclusive à
adolescência. Sim, são casos raros, a maioria morre nos primeiros dias
de vida, todavia, esses casos, mesmo que raros, inutilizam a premissa de
serem doenças incompatíveis com a vida. A gastrosquise caso se consig a
êxito na cirurgia para correção pode ter sobrevida normal.
Por
todos esses dados apresentados, concluímos que não existe um direito ao
aborto, nos casos de estupros, de bebês acima de 22 semanas. Embora o
médico que o fizer enquanto a Resolução do CFM estiver suspensa pelo STF
não possa ser punido. Não existe, também, obrigatoriedade que o gestor
disponibilize esse método para quem o solicite. Esse tema deve ser
melhor estudado por juristas e médicos para se chegar a um entendimento
após amplo debate.
Ives Gandra da Silva Martins - Professor
Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O
ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército -
ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional
Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral
(Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia);
Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e
das PUCs-Paraná e RS, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal);
Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCI O - SP;
ex-Presidente da Academia Paulista de Letras-APL e do Instituto dos
Advogados de São Paulo-IASP
Raphael Camara Medeiros Parente
- Conselheiro Federal de Medicina pelo Rio de Janeiro e relator da
resolução do CFM que proíbe assistolia fetal e ex-secretário de Atenção
Primária do Ministério da Saúde de 2020-22.