Dados da Divisão de População das Nações Unidas indicam que 621 mil
pessoas haviam atingido os três dígitos de idade em 2021. Em 1990, eram
apenas 92 mil.
A Espanha, palco das nossas pesquisas sobre o tema, é um dos países
com maior número de centenários do planeta: são 19.639, segundo os
últimos dados do Instituto Nacional de Estatísticas do país. Destes, 77%
são mulheres.
No Brasil, o número de pessoas com 100 anos de idade ou mais subiu de
quase 24 mil pessoas no censo de 2010 para 37.814 em 2022, segundo
dados do IBGE – 72% são mulheres.
As chaves do envelhecimento saudável
Dentro dessa população, nossa equipe de pesquisas estudou as
características das pessoas que atingiram os 100 anos de idade com saúde
– ou seja, sem manifestar sinais de deterioração cognitiva e gozando de
razoável autonomia física.
Afinal, é este grupo privilegiado que pode oferecer certas chaves para o envelhecimento saudável.
É claro que os fatores genéticos e de estilo de vida são muito
importantes para atingir a longevidade extrema em bom estado de saúde.
Mas qual é o papel dos fatores psicológicos?
As pesquisas indicam que as pessoas que experimentam mais emoções
positivas e estão mais satisfeitas com suas vidas têm maior
probabilidade de viver por mais tempo.
Além disso, os recursos psicológicos (como o otimismo, a resiliência,
a autoestima etc.) não são apenas os ingredientes que alimentam nosso
bem-estar psicológico. Eles também colaboram para a saúde física e
mental.
Com a palavra, os centenários
Em uma pesquisa recente, questionamos se os centenários saudáveis
realmente possuem recursos psicológicos ou características positivas de
personalidade que possam tê-los ajudado a enfrentar com mais sucesso as
situações traumáticas, dificuldades e desafios impostos por uma vida tão
longa.
Para responder a esta pergunta, realizamos entrevistas detalhadas com
19 pessoas com boa saúde entre 100 e 107 anos de idade (16 delas eram
mulheres).
Concluímos que os centenários compartilham 19 recursos psicológicos,
que agrupamos em oito categorias. Aqui estão elas, acompanhadas de
alguns testemunhos representativos dos idosos.
Vitalidade
Os centenários entrevistados são pessoas ativas e participativas.
Elas têm comprometimento com a vida e clara vontade de continuar
vivendo.
Alguns deles trabalharam até idade bastante avançada e, atualmente, continuam ativos, física e intelectualmente.
“Costurei até os 98 anos. Agora, gosto muito de fazer palavras
cruzadas e tento resolver sudokus. Desço os andares de elevador, mas
subo pela escada, para exercitar as pernas” (mulher, 100 anos).
“Às 6 horas, é a festa dos avós e eu vou. Afinal, tem bingo e não quero perder” (homem, 100 anos).
Gosto pela interação
A sociabilidade é sua característica. Eles se sentem amados pelos que
os rodeiam e ajudaram os outros sempre que puderam, ao longo da vida.
“Nunca tive dificuldades para fazer amigos; para isso, sou muito simpática. Tive muitas amizades” (mulher, 104 anos).
“Aqui, gostam muito de mim. Cada vez que encontro uma freira, ela me
faz carinho e me diz algo bonito, elas não fazem isso com todos” (homem,
100 anos).
“Um casal de idosos com poucos recursos vinha comer na minha casa todos os dias” (mulher, 102 anos).
Compromisso
Os centenários pesquisados foram pessoas responsáveis, competentes,
trabalhadoras, valorizadas, queridas e honestas. Eles perseveraram para
conseguir seus objetivos.
“Meus patrões gostavam muito de mim. Fiquei sete anos com eles e, no
dia em que me casei, a senhora chorava como se fosse minha mãe” (mulher,
103 anos).
“Faz quatro anos que quebrei o quadril e, com cerca de um mês, já
estava andando, sem muletas e sem andador, sem nada. Sou muito
perseverante” (mulher, 101 anos).
Controle
Os idosos entrevistados tomaram as rédeas de suas próprias vidas.
Eles demonstraram autonomia para decisões e souberam encontrar as
oportunidades.
“Quando meu marido ficou doente, precisei enfrentar tudo. Assumi os
negócios do meu marido, cuidei das contas e dos bancos, mandei nos
homens, tudo” (mulher, 102 anos).
Motivação intelectual
São pessoas curiosas, que valorizam a cultura e têm motivação para aprender. Em muitos casos, são leitores incansáveis.
“Muitas vezes, quando estava com os animais, cometia o erro de ler e
as ovelhas invadiam a plantação. Chegava então o guarda e dizia: ‘você
não vê onde se meteram as ovelhas, que estão comendo a plantação’ (…) Li
tudo o que pude e também escrevi muito” (homem, 100 anos).
Positividade
Os centenários demonstram agradecimento e são capazes de ter prazer com as pequenas coisas do dia a dia.
“A vida me deu tudo, graças a Deus. Ela me deu tristezas, como perder
familiares, mas não passei mal por aquilo” (mulher, 100 anos).
Resiliência
Apesar das dificuldades (problemas na infância, perda de entes
queridos, eventos como a guerra civil espanhola e a covid-19…), os
centenários pesquisados souberam seguir adiante com suas vidas e, em
alguns casos, mudar de direção.
Acima de tudo, sua experiência com as adversidades não causou danos psicológicos.
“Eu era muito ligado à minha mulher. Quando ela morreu, eu tinha 97
anos e minha filha pensou que eu não fosse superar. No princípio, estive
mal, mas depois pensei que só se vive uma vez e é preciso ser forte,
porque a minha mulher não gostaria de me ver mal” (homem, 101 anos).
Inteligência
Os centenários souberam assumir desafios para os quais não tinham formação concreta e os superaram com sucesso.
Eles são curiosos e adoram aprender. Sua conversa é rápida, ágil e
eles têm boa memória. Sabem ler e escrever – alguns, sem nunca terem
frequentado a escola. Eles adaptaram e dirigiram suas vidas para os
caminhos que os deixassem satisfeitos.
“Por 20 anos, fui presidente da Câmara Agrária [nunca teve formação específica]” (homem, 100 anos).
As lições dos centenários
A análise da vida dos centenários saudáveis fornece algumas pistas para atingir uma velhice saudável:
- Manter-se fisicamente ativo.
- Cuidar das relações sociais, expressar amor aos entes queridos e ter disposição para ajudar.
- Promover atitudes de compromisso, responsabilidade, honestidade e perseverança ao longo da vida.
- Estabelecer objetivos realistas de curto e médio prazo e empenhar-se para atingi-los.
- Ter visão ampla para encontrar oportunidades além do ambiente próximo ou da zona de conforto.
- Estabelecer ordem e certos hábitos na vida diária, para que as exigências do dia a dia não causem esgotamento.
- Manter a mente ativa, incluindo a exploração de novas áreas de conhecimento e aprendizado (pintar, escrever etc.).
- Ser curioso – por exemplo, aprender sobre novas culturas, ler, viajar..
- Praticar a gratidão, mantendo a consciência sobre tudo de bom que existe na vida.
- Divertir-se, aprendendo a identificar e explorar as experiências positivas diárias.
- Desenvolver capacidades que permitam aceitar eventos negativos e
estressantes como parte da vida. E, na medida do possível, extrair a
essência positiva dos eventos adversos.
- Desafiar a mente. Tentar resolver problemas cada vez mais difíceis.
Fonte: BBC News Brasil.