A imprensa brasileira tem raiva de escolas, cursos,
intercâmbios e eventos acadêmicos. É uma neurose. Um grande empresário
brasileiro, o publisher Octavio Frias de Oliveira, dirigindo-se a
jornalistas da Folha, desabafou, certa vez: “Eu não entendo uma coisa.
Com tanta coisa errada neste país, por que vocês perdem tanto tempo
azucrinando escolas e pessoas com conteúdo que tentam compartilhar
conhecimentos com seus semelhantes?”. Posteriormente, o Grupo Globo divulgou o programa do evento.
No próximo dia 15, o mesmo conglomerado, com o jornal Valor Econômico à frente, promove em Nova York o “Summit Valor Econômico Brasil-EUA”
com autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. O folder
do evento não informa quem são os patrocinadores. Mas, naturalmente, os
convidados serão custeados pela organização.
A Folha de S.Paulo e o portal UOL,
igualmente, promovem eventos com autoridades públicas — sempre
patrocinando passagens e hospedagens — mas sem dizer de onde saiu o
dinheiro.
A Philip Morris, Souza Cruz e Odebrecht bancaram vários projetos da
Folha. A indústria tabagista patrocinava o programa de iniciação dos
novos jornalistas — tanto na Folha quanto no Estadão. Não deixa de ser
boa notícia saber que esses jornalões estão dispostos a rever suas
práticas. Ou não estão?
O Grupo Globo, há quase vinte anos, promove um evento elogiável: o
Prêmio Innovare — que já teve parceria com a Souza Cruz. Evidentemente,
os ministros que participam da premiação têm passagens e hospedagem
pagas pela organização. Como em Londres. Igual a Nova York.
A cooperação de empresas com o Judiciário — exatamente como ocorre
nos EUA — é antiga. Já em 2003, em parceria com a FGV, titularizada por
Sidnei Gonzalez e pelo desembargador Elton Leme, com o juiz Flávio Dino
(então presidente da Ajufe), a Souza Cruz viabilizou o projeto “Justiça
sem papel”, que entrou para a história como o primeiro passo do
Judiciário em direção à digitalização.
Medíocres e hipócritas
Veículos de comunicação fazem isso. Promovem eventos patrocinados,
aproximam empresários e autoridades e não há nada de errado.
Diferentemente do jornalismo, o Judiciário brasileiro se
profissionaliza, tem órgãos de supervisão.
Spacca
Zumbis da imprensa saem às ruas para pedir condenações
Na semana que passou, em Londres, a Consultor Jurídico
participou da organização de um Fórum em Londres. Assim como já fizemos
em Lisboa, Roma, Berlim e Stresa (Itália) e ainda queremos promover em
muitos países. Até na Rússia e China. Motivo de orgulho.
Jornalistas medíocres e hipócritas resolveram lançar suspeitas sobre
esse evento, que foi promovido por algumas das empresas que pagam seus
salários. Falsos moralistas, demagogos e populistas. A dois jornalistas
que tiveram a cara de pau de me perguntar acusatoriamente sobre a
honestidade do Fórum, disse-lhes que não lhes devo satisfação alguma,
mas que toparia falar de patrocinadores se eles revelassem quem
patrocina os seminários (iguais aos de Londres) de suas empresas.
Claro que pode haver fundada suspeita quando houver indícios, provas
ou elementos que demonstrem haver coisas erradas. No caso,
contrapartidas. Nos anos 90, o empresário Mario Garneiro
criou um Instituto de Estudos Jurídicos para promover grandes eventos.
Por uma não coincidência todos os juízes, desembargadores e ministros
convidados eram, exatamente os julgadores escalados para julgar suas
encrencas.
A mesma prudência não se vê hoje. Pelo critério torto de jornalistas
de araque, quando os eventos acadêmicos não são promovidos por suas
empresas, padecem, inapelavelmente, de presunção de desonestidade. Se um
juiz participa de um seminário é porque ele está “comprado”.
Joio e trigo
Não importa se no evento o presidente de Portugal identifica no
governo francês o grande obstáculo para que o Brasil exporte seus
produtos agrícolas. Nem se, na conferência, constata-se que as big techs
devem ser desmembradas por haver conflito de interesses na sua
genética.
Spacca
Órfãos da ‘lava jato’ recompuseram força tarefa clandestina
Se o evento constrói um modelo inteligentíssimo de presidencialismo
com ferramentas parlamentaristas ou, como agora, que Tony Blair lance a
fórmula de colocar países árabes na mesa de negociação de paz com
Israel. Não. O que importa é se os convidados ficaram em hotéis caros ou
se no jantar os ministros fumaram charutos. É o Festival de Besteiras
que Assola o País…
Supor que patrocínios implicam, automaticamente, favorecimentos
ilegítimos, deixa jornais, sites, emissoras e revistas numa situação
delicada. Se a suposição vale para empresa de eventos — ou para outros
veículos de comunicação — então vale para todos. Esse jornais estão
admitindo a presunção de que os patrocínios que recebem se respondem com
favorecimentos espúrios. É matéria para CPI, investigação do Ministério
Público ou, quem sabe, para o inquérito do Xandão.
A boa nova é que os jornais, empresas privadas, ao considerar
criminoso relacionar-se com ministros que julgam seus casos, irão se
declarar impedidos de escrever sobre assuntos de seu interesse — como a
causa em pauta no STF, que vai decidir sobre a desoneração da folha de
salários, tema que aflige essas empresas.
Prova dos nove
Com o advento da internet é fácil conferir se anunciantes e
patrocinadores são poupados no noticiário. Isso pode ser objeto de
seminário, como o que o Estadão promoveu com o
patrocínio da Odebrecht. Ou empresas que passaram a patrocinar camarotes
da Globo ou merchandising em novelas. O evento de Londres teve pelo
menos um patrocinador do grupo Globo. Pode-se dizer que o dinheiro para um foi limpo e outro, sujo, como supôs a colunista social Malu Gaspar?
Essas fantasias e delírios não se encerram em si próprias. Existe um
contexto. Foram essas artimanhas que deram à luz o esquema “lava jato” e
que só serviram para enganar desavisados e eleger Jair Bolsonaro. A
jogada consistia em desmoralizar e emparedar os ministros do STF que
tinham o poder de brecar as práticas jurídicas corruptas da organização
criminosa que germinou em Curitiba.
Em vez de pedir desculpas pelo que fizeram ao Brasil, a canalhada que
apoiou essa página infeliz da nossa história quer revanche. E a
vingança consiste em perverter e desacreditar os ministros do Supremo e
do STJ. Como? Simples: Aduzir que ministros são desonestos porque
participam de eventos acadêmicos. Claro. Deveria existir um artigo no
Código Penal: é crime participar de seminários. Exceto se os seminários
forem promovidos pela Folha, Estadão, Globo, UOL e Valor.
Convenhamos. Seo Frias tinha razão. Com tanta coisa errada neste
país, como os dramas crônicos de saneamento básico, um Estado deficiente
nos seus papéis básicos, criminalidade sem controle, entre outras
desgraças, jornalistas desqualificados — que jamais leram um processo ou
assistiram a um julgamento — acham que eventos acadêmicos são atos de
corrupção.