quarta-feira, 20 de agosto de 2025

COMO O BRASIL SE TORNOU PORTA-VOZ IDEOLÓGICO DE UMA ORDEM MUNDIAL SEM O DÓLAR E ARTICULADA PELO BRICS

 


Ricardo Stuckert/PR

Ricardo Stuckert/PR

20/08/2025 | 7 min de leitura

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem assumido ao longo de seu terceiro mandato um papel que nem mesmo os principais líderes dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos) parecem dispostos a ocupar: o de defensor ideológico de uma nova ordem econômica mundial que prescinda do dólar como moeda de referência.

Para analistas ouvidos pela reportagem, a pressão colocada pelos Estados Unidos sobre o Brasil - por meio das tarifas aos produtos importados - contém a mensagem de que o país terá que se posicionar no contexto geopolítico de um mundo polarizado.

"Lula tornou-se um porta-voz da narrativa de substituição do dólar, algo que nem mesmo outros líderes do grupo sustentam publicamente. Narendra Modi (Índia), próximo presidente rotativo do bloco, evita o tema. O líder chinês prefere o silêncio. O russo, sobrecarregado por problemas internos, também não insiste. Sobrou a Lula sustentar um discurso ideológico, mesmo após receber a carta de Trump anunciando o tarifaço", disse Cezar Roedel, mestre em Relações Internacionais.

De acordo com Roedel, o discurso de Lula é alimentado pelo assessor especial Celso Amorim e parte de uma leitura antiquada da geopolítica, pois cerca de 90% das transações cambiais e quase metade do comércio global de mercadorias são realizados na moeda americana. Além disso, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), nos fluxos do comércio brasileiro, a participação do dólar é de mais de 95% nas exportações e 81% nas importações.

"É acreditar, de forma quase ingênua, que o Brasil teria posição de destaque em uma nova ordem mundial sem o dólar. Na prática, trata-se de um sonho ideológico, ancorado numa visão ultrapassada de mundo dividido pela linha do Equador, com o hemisfério Norte dominante e o chamado “Sul Global”, denominação exótica para países que, mesmo no Ocidente, se colocam contra o regime ocidental e frequentemente demonstram simpatia por ditaduras", disse Roedel.

Apesar de Rússia e China não defenderem publicamente a substituição do dólar como moeda de comércio global, a pauta é de interesse direto desses países. Moscou se beneficiaria já que é alvo de sanções econômicas por conta da guerra na Ucrânia. Já a China deseja que sua moeda, o yuan, altamente controlada por seu banco central, seja um dia a substituta do dólar no posto de principal unidade monetária do comércio mundial.

Os dois países já desenvolveram sistemas de pagamento alternativos, onde realizam trocas usando suas moedas locais sem intermédio do dólar. Mas é o presidente brasileiro que vem dando declarações públicas sobre o tema para tentar confrontar a hegemonia americana.

Na avaliação de especialistas, a pauta do “fim do dólar” tem hoje mais utilidade política doméstica do que viabilidade econômica ou diplomática. É o que destaca o cientista político Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-BH. “O Brasil não é protagonista no cenário internacional. O discurso de Lula serve para reforçar alianças ideológicas e projetar influência no Sul Global, mas a realidade é que seu alcance é limitado”, resume Gianturco.

"Em última instância tem a questão ideológica, mas isso é o último fator, porque na verdade a relação [entre os países do Brics] é feita mais de interesses do que de poder mesmo. A questão ideológica é mais a questão da narrativa, do marketing, da propaganda para o público doméstico, para os eleitores, para os leigos", disse.

Enquanto isso, a política externa brasileira acumula sinais de isolamento: perda de prestígio na Europa, atritos com os EUA e associação a regimes sancionados internacionalmente. Mesmo China e Rússia, mostram mais cautela do que Lula na hora de confrontar abertamente o papel do dólar no comércio global.

 

Com informações da Gazeta do Povo