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O pacote Anticrime proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro prevê alterações em 14 legislações, incluindo Código Penal e de Processo Penal. Desde que foi anunciado, na última segunda-feira, 4 de fevereiro, o projeto recebeu críticas.
No Congresso Nacional, alguns deputados se posicionaram a favor do projeto. O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), líder dos tucanos na casa, afirmou, em suas redes sociais, que reforçou “o compromisso de apoiar todas as medidas que combatam as organizações criminosas e a corrupção em nosso País”.
No Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, o plano já encontra resistência. Magistrados ouvidos pela Folha de S. Paulo observam inconstitucionalidade em alguns pontos da mudança como restrição a progressão de pena.
Veja abaixo algumas das mudanças propostas por Moro:
Prisão em segunda instância
Desde 2016, o STF permite a prisão de condenados em segunda instância. O tribunal já deliberou sobre a pauta ao tratá-la no caso do ex-presidente Lula, cuja defesa questionou a prisão ao apontar que o processo ainda não transitou em julgado, ou seja, até então Lula não foi declarado culpado por todas as instâncias superiores da Justiça.
A constitucionalidade da norma é, portanto, espaço de disputa entre juristas e na própria corte. Para o primeiro semestre de 2019, possivelmente em abril, uma nova discussão sobre o tema deve acontecer. Agora ministro da Justiça e responsável pela condenação em primeira instância do petista, Moro traz o assunto no projeto de lei. Para ele, a prisão em segunda instância não confronta o princípio da presunção de inocência, tese sustentada durante por ele no caso Lula.
Atualmente, a Constituição Federal prevê taxativamente que alguém só pode ser preso se houver flagrante ou um processo transitado em julgado. Se aprovado o projeto do ministro Sérgio Moro, haverá a controversa formalização da jurisprudência do STF como lei.
Legítima defesa
Um dos pontos mais criticados pelas entidades e operadores do Direito é a mudança na norma que prevê a legítima defesa, que é permitida, hoje, na legislação, caso a pessoa esteja “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Em uma proposta que visa agradar o setor militar e policial do governo, o ministro propõe facilitar a defesa e até mesmo excluir a culpabilidade de agentes de segurança pública que venham a cometer homicídios. A proposta de Moro reduz a pena pela metade ou deixa de aplicá-la a agentes policiais quando a legítima defesa decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Para Ariel de Castro Alves, advogado, conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo (Condep) e membro do Grupo Tortura Nunca Mais, a proposta de Moro “legitima execuções e extermínios praticados por policiais no Brasil”. “Adolescentes e jovens negros serão as principais vítimas, como já ocorre atualmente, mas em proporções ainda maiores”, afirma.
Endurecimento do Regime Fechado
A diminuição da progressão de pena e incentivo ao aumento do regime fechado é também um dos pontos mais criticados da proposta por juristas e entidades. Para estes, a alteração viabiliza o endurecimento do Direito Penal em sua face mais punitivista e intensifica a crise do encarceramento em massa.
Atualmente, o regime fechado somente é aplicado em condenações acima de oito anos de reclusão, independentemente do crime. Caso o projeto seja aprovado, passa a valer para reincidentes e condenados por corrupção, peculato e roubo praticado com arma de fogo, independentemente, agora, do tempo de reclusão. Além disso, a progressão de regime, ou seja, o encaminhamento de condenados do fechado para o semiaberto, que é garantido constitucionalmente, seria restringida em casos envolvendo morte da vítima. O projeto também extingue saídas temporárias de presos condenados por terrorismo, tortura e crimes hediondos, como homicídio, latrocínio, estupro e genocídio.
Definição de organização criminosa
Hoje, a legislação que versa sobre organização criminosa, número 12.850, de 2013, considera esta uma associação de quatro ou mais pessoas “ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. A mesma legislação tem aplicabilidade também às “organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos”.
O que Moro procura com a mudança é incluir na definição facções criminosas conhecidas, como Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Família do Norte e Amigos dos Amigos. No entanto, juristas consideram uma boa técnica legislativa aquela que recomenda normas gerais e abstratas para não se tornarem inconstitucionais e possibilitarem a perseguição leviana a determinados grupos ou sujeitos.
Em entrevista à Vice, Marcelo Semer, juiz de direito, escritor, mestre em Direito Penal pela USP e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, afirmou que com esse ponto eterniza “nomes de facções, valorizando-as, aumentando o seu prestígio junto ao crime. É de um amadorismo brutal. Mas, se formos pensar bem, o projeto é um presente para as facções. Tudo o que elas mais querem, e mais precisam, é mais encarceramento, mais levas de jovens que poderão aliciar para seus exércitos. O PCC, penhorado, agradece”.
Armas de fogo
O eleitorado de Bolsonaro considera este um ponto contraditório às promessas do presidente enquanto em campanha no tocante ao porte e posse de armas. Atualmente, a legislação prevê um aumento da pena para disparo, posse ou porte ilegal, comércio ilegal e tráfico internacional de arma de fogo caso o condenado seja integrante de forças de segurança ou empregado de empresa de segurança e transporte de valores. Se aprovada a mudança, a pena deve também ser ampliada se o réu possuir antecedentes criminais, com condenação em segunda instância.