asil, Brics não evolui além de financiamentos e tem poucos resultados efetivos
Os Brics – grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – anunciaram, nesta quinta-feira (24), que vão incluir mais seis países ao bloco a partir do próximo ano. Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã foram os selecionados para integrar o bloco. A escolha dessas nações, de acordo com especialistas, coloca o bloco em uma clara oposição ao Ocidente, além de evidenciar o poder de Xi Jinping, ditador da China, e a perda de protagonismo do Brasil entre os Brics.
"Sigo sem saber o que o Brics pretende além de um simbolismo poderoso [...] Isso fica óbvio com a escolha do Irã, por exemplo. Pode até tornar as coisas mais difíceis", disse o economista e criador do acrônimo Brics, Jim O'Neill, em entrevista à BBC News Brasil.
Embora os critérios de escolha para os seis países não tenham sido esclarecidos com a "Declaração de Joanesburgo", os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo traçam alguns caminhos que podem justificar as decisões. Além de não serem alinhados às narrativas do Ocidente, nenhum dos países representa uma ameaça à China – que anseia o lugar dos Estados Unidos de maior potência mundial.
Ainda que grandes potências emergentes tivessem interesse em fazer parte dos Brics, a exemplo da Indonésia, a escolha parece ter sido baseada em países como pouca perspectiva econômica. O motivo disso, explicam analistas, é que a China quer expandir sua influência sem correr risco de perder o posto de protagonista dos Brics.
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Para o consultor de comércio internacional da BMJ Consultores Associados Tito Sá, os desdobramentos da 15ª Cúpula dos Brics mostram uma força absoluta da China sobre os demais países-membros. "Seria muito difícil frear esse avanço e essa pressão chinesa. É evidente que essa expansão é capitaneada pela China, que tem se tornado a maior economia do mundo", analisa.
"A diplomacia brasileira foi muito resistente com essa expansão e o medo, que ainda se mantém, era do Brasil perder influência dentro do bloco. E essa perda é inevitável. Isso vai acontecer. Espera-se uma perda de influência do Brasil dentro dos Brics, pois com a entrada desses novos países, o poder é diluído. Isso é um fato agora e a China é a maior beneficiada desse processo", pontua Sá.
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Desde o último ano, quando estava na presidência do bloco, a China tem pressionado os Brics a aceitar novos membros. O grupo teria recebido aceno de 40 nações interessadas e 22 pedidos formais para aceitar novos integrantes. Brasil e Índia se opuseram à mudança, mas não conseguiram manter esse posicionamento por muito tempo.
Despontando como a segunda maior economia do mundo, especialistas analisam que a China se utilizou do seu poder comercial-econômico para influenciar nas decisões do bloco. O país asiático é o principal parceiro econômico do Brasil e da África do Sul e tem sido um dos únicos a apoiar a Rússia desde que Moscou decidiu invadir a Ucrânia há um ano.
Mas além disso, Xi Jinping é o principal financiador do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos Brics. O organismo tem sido o responsável por financiar dezenas de obras de infraestrutura e de apoio de emergência aos países membros do bloco. Neste contexto, se opor aos desejos chineses, para essas nações, seria o mesmo que colocar em risco seu principal mercado.
"A gente percebeu, principalmente quando houve um ruído de comunicação entre Brasil-China, que houve um grande esforço do nosso corpo diplomático para que isso não impactasse nas nossas relações com a China, pois elas são profundas e de uma dependência muito grande", pontua o especialista da BMJ.
"Escolhas geopolíticas" são, na verdade, resposta dos Brics ao Ocidente
O embate geopolítico entre China e Estados Unidos tem pressionado o país asiático a buscar mais aliados ao redor do mundo – o que justifica a pressão de Xi Jinping para incluir novos membros no grupo.
Além disso, a Rússia tem se visto isolada no mundo desde que invadiu a Ucrânia. Países do Ocidente passaram a fazer sanções contra Moscou com o intuito de pressionar Vladimir Putin a colocar um fim na guerra. O russo, contudo, encontrou na China um parceiro, já que Xi Jinping demonstrou apoio a Putin diante do conflito. Em resposta a esse apoio, a China ganhou mais um aliado.
Juntos e com respaldo dos Brics, a "Declaração de Joanesburgo", formulada pelos países-membros do bloco, ainda teceu críticas ao Ocidente. "Manifestamos preocupação com a utilização de medidas coercivas unilaterais, que são incompatíveis com os princípios da Carta das Nações Unidas e produzem efeitos negativos, nomeadamente no mundo em desenvolvimento", diz um dos pontos do documento. O alvo nas entrelinhas é o pacote de sanções americanas aos russos.
Ainda na declaração, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encontrou uma oportunidade para se manifestar contra as pressões que o país tem sofrido, sobretudo da União Europeia, para barrar, por exemplo, o acordo entre o Mercosul e o bloco europeu. "Opomo-nos às barreiras comerciais, incluindo aquelas impostas por certos países desenvolvidos sob o pretexto de combater as alterações climáticas, e reiteramos o nosso compromisso de melhorar a coordenação nestas questões", diz o documento.
"Expressamos a nossa preocupação com qualquer medida discriminatória inconsistente da OMC que distorça o comércio internacional, arrisque novas barreiras comerciais e transfira o fardo da abordagem às alterações climáticas e à perda de biodiversidade para os membros do BRICS e os países em desenvolvimento", finaliza o ponto 63 da declaração.
Especialista analisa que escolha de países foi levando em consideração o interesse dos países fundadores do bloco
Para o especialista da BMJ, a escolha dos seis países que vão ingressar nos Brics no próximo ano ainda vai além do pensamento em comum com o Ocidente. "Acredito que também pesou uma questão geográfica e de interesses para os membros fundadores", pontua Tito Sá.
Nesse contexto, o Brasil teria solicitado a inclusão da Argentina – o maior parceiro econômico do país na América Latina; a África do Sul da Etiópia; a China dos Emirados Árabes e da Arábia Saudita; e a Rússia do Irã. "O Irã é um dos maiores aliados dos russos, principalmente neste contexto de isolamento da Rússia, o país tenta buscar mais aliados", analisa.
Sá ainda relembra que entre os novos integrantes, o Irã é o que possui a relação mais hostil com os Estados Unidos. "Em um primeiro momento, acredito que tentaram fazer uma uma distribuição geográfica mais ou menos equânime. E um outro [ponto] é que esses países não são totalmente alinhados à retórica do Ocidente. Acredito que esses elementos seja o que une esses 11 países", avalia.
Brics virou clube de ditaduras?
Após o anúncio dos novos países que vão compor o bloco a partir do próximo ano, Tito de Sá explica que a escolha dessas nações evidencia que a democracia não vai ser uma questão para os Brics. "Esta é uma pauta que não tem como jogar para debaixo do tapete e a entrada desses países demonstra que o debate democrático não vai ser uma questão para os Brics. Acredito que isso seja uma tentativa de evidenciar o caráter econômico do bloco", diz.
"O que está em jogo aqui não é a pessoa ou o governo, é o país — a importância do país. Eu não quero saber que pensamento ideológico tem o governante. Quero saber se o país está dentro dos critérios que estabelecemos para fazer parte do Brics", disse Lula em coletiva de imprensa nesta quinta (24).
De acordo com o Ranking de Democracia do jornal inglês The Economist, entre os países anunciados para integrar os Brics, apenas a Argentina é considerada uma democracia – ocupando o 50º lugar no ranking, uma posição acima do Brasil.
As demais nações, todas com regimes autocratas, ocupam posições para além da centésima de um ranking que avalia 167 países e territórios. Na lista, a Etiópia aparece em 122º; o Egito em 131º; os Emirados Árabes Unidos em 133º, a Arábia Saudita em 150º e, por fim, o Irã em 154º lugar.
Levando em consideração que Rússia e China, fundadoras do bloco, também são considerados países autoritários, o grupo teria uma maioria de países em regime ditatorial. Moscou e Pequim, respectivamente, ocupam as 146ª e 156ª posições do ranking de democracias do The Economist.
Por: Carinne Souza/GAZETA DO POVO