sexta-feira, 7 de novembro de 2025

SABER MUITAS COISAS, MAS, VIVER POR UMA GRANDE COISA SÓ



07 de novembro de 2025 - 3 minutos para saber

Entre a multiplicidade fragmentária do mundo e o desejo humano de totalidade, há uma tensão que atravessa a história do pensamento. A antiga frase grega de Arquíloco, “a raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma grande coisa só”, é mais do que uma observação zoológica ou uma fábula moral, é um espelho filosófico em que se reflete o dilema da consciência: dispersar-se entre os mil caminhos da experiência ou recolher-se na fidelidade a um princípio único.

A raposa é a metáfora do espírito moderno, movido pela curiosidade e pela adaptação. Vive de possibilidades, de estratégias, de fugas. Ela não se fixa, porque sabe que a realidade é móvel, que o mundo não se deixa prender em uma fórmula. Seu saber é prático, mutável, oportuno. Mas há uma melancolia secreta em sua multiplicidade, quem conhece tudo, acaba por não se pertencer a nada. O saber da raposa é vasto, mas não tem centro. O do ouriço é limitado, mas tem raiz.
O ouriço, por sua vez, encarna a sabedoria arcaica, o espírito que se volta para dentro, buscando na unidade uma defesa contra o caos. Ele não se dispersa porque encontrou um sentido axial, uma “grande coisa só” que sustenta a sua existência. O ouriço é o símbolo da alma contemplativa que, mesmo diante da complexidade infinita do mundo, permanece fiel a um eixo de verdade. Sua força está na constância, sua sabedoria na renúncia à multiplicidade.
No fundo, a frase de Arquíloco revela a tensão entre a inteligência estratégica e a inteligência metafísica, entre o saber que se move e o saber que permanece. O primeiro é horizontal, feito de conexões, de contextos e artifícios. O segundo é vertical, feito de profundidade e de sentido. O primeiro conquista o mundo, o segundo o compreende. O primeiro é a arte da sobrevivência, o segundo é a arte do ser.
A modernidade transformou-se num imenso território de raposas, seres versáteis, informados, hiperconectados, mas incapazes de sustentar uma convicção. Em contrapartida, o ouriço, com sua lentidão e sua fidelidade, tornou-se quase uma anomalia, símbolo de um tempo em que a sabedoria não se media por quantidade de dados, mas pela coerência interior. Vivemos, talvez, o paradoxo de saber tudo, exceto quem somos.
A sabedoria, então, não está em escolher uma natureza contra a outra, mas em conciliá-las. Ser raposa quando o mundo exige astúcia, e ouriço quando a alma pede silêncio. Conhecer muitos caminhos, mas nunca perder o próprio centro. Pois o verdadeiro saber é aquele que, multiplicando-se, não se dissolve, e que, concentrando-se, não se fecha. É o saber que, como a vida, se move em torno de um núcleo invisível.
No fim, talvez o segredo da existência seja este: saber muitas coisas, mas viver por uma grande coisa só.
Oliver Harden