Eu estava com meus doze anos e começava a achar o mundo muito estranho e mal-feito. Quando meus pais foram fazer uma visita aos meus avós, aproveitei para puxar para um lado meu avô e dizer que queria perguntar sobre algo.Ele me olhou e fez um gesto de “venha”; eu o segui até o seu maravilhoso escritório, nos fundos da casa, com livros forrando as paredes e diversos objetos estranhos, cada um com sua história.
Lá eu comecei a indagar:
– Vô, por que os meses do ano são tão mal calculados? Por exemplo, setembro é o nono mês. E outubro, novembro e dezembro também não têm nada que ver com a posição no calendário.
E agosto foi inventado só para rimar com “desgosto”? E abril, que não quer dizer nada?
E por que não inventaram até agora coisa melhor do que esses meses com duração diferente? Com tanto computador, já poderiam ter feito coisa melhor, será que não?
Acho que quando eu for grande vou dar um jeito nisso tudo.
O velho de barba branca muito cuidada me olhou sério, com seus olhos claros:
– Sua tarefa será gigantesca. Para prepará-lo, vou contar alguma coisa sobre a origem dos nomes dos meses; então você poderá se sentir melhor com essa confusão. Que, aparentemente, não é pouca.
Vamos ver:
Janeiro, januarius em Latim, era um mês dedicado, entre os romanos, ao deus Janus, que presidia à passagem de um lado para o outro, tendo domínio sobre portas e pontes. Parece que o nome dele veio do Indo-Europeu ya-, “ir”, mas não há certeza.
Diz a lenda que foi ele que inventou a moeda e os barcos. Também se conta que ele fez brotar uma torrente d’água quente sobre os Sabinos, quando estes estavam prestes a tomar a cidade.
– Mereceram, né?
– Isso é discutível. Eles estavam simplesmente querendo se vingar porque, recentemente, os romanos os tinham convidado para uma festança, encheram-nos de vinho e raptaram as suas mulheres.
– Ah… – eu fiz, e o velho prosseguiu, divertido:
– Como eles não gostavam de ser escaldados, fugiram espavoridos. Os romanos, em honra a esse feito divino, passaram a deixar sempre aberta a porta do templo de Janus, em tempos de guerra, para que ele pudesse sair dali a qualquer momento em auxílio do exército. Em épocas de paz as portas eram fechadas. Mas era raro isso acontecer.
O imperador Augusto se orgulhava particularmente do fato de, por três vezes, terem sido fechadas as portas do templo durante o seu reinado. E olhe que, antes disso, elas haviam sido fechadas apenas outras duas vezes.
– Será que isso foi verdade, Vô?
Ele riu:
– Seus olhos brilham quando se fala em lendas. Você vai me sair um historiador, um escritor… Ou quem sabe vai fundar uma igreja? Das três, é o que dá mais dinheiro atualmente. Mas vamos em frente; chegou a vez de fevereiro, februarius.
Esse mês tem esse nome devido às Februa, festas de purificação que eram levadas a efeito em Roma todos os anos. Nesse mês eram feitas diversas cerimônias com oferendas e sacrifícios para apaziguar os mortos.
– E quem não fizesse, Vô?
O velho olhou para os lados, muito sério, e se aproximou de mim como se fosse contar um segredo. Inclinei-me para a frente e ele deu um grito e me pegou pelos ombros, com uma agilidade surpreendente:
– Os morrtos levavam para baaaixo!
Gritei, enquanto ele ria:
– Não gostei! Pára com isso, Vô! O senhor não me assusta!
– Hum, até parece que não. Mas deixe os fantasmas para lá. O que importa é que, nesta revisão do ano, estamos chegando ao começo dele: março, ou martius. Preste atenção, aqui o “T” soava “S”.
– Ué, e essa agora? O ano começa em janeiro!
– Não para os romanos, meu caro, e é do ano deles que estamos falando. Para eles, era em março que se começava a contar o ano.
Acontece que março, sendo o mês do começo da primavera…
– Nada disso, Vô! A primavera começa em setembro, que eu sei! – deixei de acrescentar que eu sabia isso muito bem porque uma certa professora minha fazia aniversário nessa época.
– Aqui no Hemisfério Sul, seu tolo. Roma fica no Hemisfério Norte, onde as estações são ao contrário das nossas. Ou vice-versa. Portanto, lá a primavera começa em março.
E pare de se achar esperto. Há de chegar o dia em que você vai poder me corrigir, mas ele ainda está distante.
Como eu ia dizendo, já que o tempo melhorava neste mês, ele era aproveitado para levar a efeito as campanhas militares. Por isso, ele era dedicado a Mars, “Marte”, o deus que presidia às guerras, de onde vem o nome.
– Os romanos praticavam caratê e judô?
– E essa agora, menino? Nessa época, nem os japoneses tinham inventado essas lutas!
– Achei março parecido com marcial, das “artes marciais”, e…
– Bem, você resolveu fazer uma piadinha que lhe saiu pela culatra, pois “marcial” vem de Mars mesmo. Foi aplicada a essas artes porque elas tratam de lutas. Na verdade, os romanos praticavam artes marciais, mas não com quimonos e mãos nuas, e sim com armaduras, gládios e muito sangue.
Agora aquiete-se que vou contar que abril, aprilis, era o mês em que as flores se abriam; “abrir” se diz aperire em Latim. Antes que você tente fazer uma gracinha, a palavra “aperitivo” vem daí: é algo que se come ou bebe para abrir o apetite.
– E maio aposto que era era o mês dos maiôs, acertei? – eu adorava provocar.
– A continuar assim, eu é que vou acertar sua cabeça com um tijolo, gracioso. O nome desse mês, maius, se referia a deus maius, “o deus maior”, Júpiter.
– Ele era o maioral então, Vô?
– Era, e oxalá ele me emprestasse de vez em quando um daqueles bonitos raios que ele usava para castigar os mortais.
E depois do mês dele vem junho, que era uma homenagem à sua esposa, a deusa Juno. Acho que, se ele não providenciasse um mês para ela o pau ia comer lá no Olimpo, pois ela não era moleza. Era mal-humorada prá chuchu. Também, com um esposo aprontador daqueles…
Bem, aqui começam a se complicar as coisas. Julho, julius, recebeu esse nome no ano 44 AC, em homenagem a Júlio César, nascido nesse mês. Júlio César tinha sido recém assassinado e seu principal seguidor, Marco Antônio, foi quem teve a idéia.
Mais adiante, o primeiro imperador de Roma, Augusto, resolveu generosamente aceitar homenagem semelhante, o que gerou o mês de agosto, augustus. Não querendo ficar atrás de Júlio César, cujo mês tinha 31 dias, passou a mão num dia de fevereiro, que tinha 29, e ficou também com 31. Essa vaidade não era apenas grande, era simplesmente imperial!
O resto você pode calcular: os meses de setembro até dezembro mantiveram os nomes que tinham e que originalmente denotavam sua ordem no ano.
– Complicado mesmo, Vô.
– Isso não é nada comparado com o rolo que aconteceu em 1582, na época do Papa Gregório XIII. Veja você que o calendário Juliano – estabelecido por Júlio César – tinha definido o ano, que é o tempo que a Terra leva para dar uma volta exata ao redor do Sol, como medindo 365 dias e seis horas. Só que nessa conta havia onze minutos e alguns segundos a mais.
– É uma diferença pequena, Vô.
– Mas, se você a acumular por mais de mil e seiscentos anos, dá um punhado de dias, o suficiente para que o início das estações caia em dias diferentes, por exemplo. E as atividades agrícolas precisavam de um mínimo de regularidade no calendário para serem exercidas.
Dispondo de um cálculo mais preciso e ciente do problema, esse Papa estabeleceu um novo calendário. Acertou a data das folhinhas com a data astronômica de uma forma radical: decretou que o dia depois de 4 de outubro seria o 15 de outubro.
– Chii, quanta festinha de aniversário ficou faltando nesses dez dias! E essas pessoas deixaram de envelhecer um ano?
– Na época, o pessoal não dava muita bola para festinhas dessas. E não me consta que se tenha alterado o curso de seu envelhecimento. Mas é certo que muitos acorreram às igrejas, para perguntar se iriam viver dez dias a menos.
– Todos devem ter achado muito estranho.
– No começo, nem todos. Só os países católicos acataram a alteração. Inglaterra e Escócia, por exemplo, protestantes sempre em bronca com o Papa, só mudaram seus calendários em 1752.
– Imagine só a confusão nas datas de correspondência, nesse intervalo!
– É verdade. Mas agora o mundo está mais quietinho no que toca a isso. Você ainda pretende alterar o calendário Gregoriano?
– Hum… Acho que tenho coisas mais importantes a fazer antes, Vô.
– Muito bem, meu neto. Um pouco de humildade não faz mal a ninguém.
DÊ: HISTÓRIAS.COM