O
governo brasileiro vai endurecer as regras de eficiência energética para
geladeiras e congeladores de uso doméstico. A medida, que começa a
valer em 31 de dezembro de 2023, vai elevar o preço mínimo dos produtos
para mais de R$ 5.000, conforme relatado pela associação ao jornal Folha de S. Paulo. neste domingo (17).
A partir
dessa data, só poderão ser fabricados e importados refrigeradores com um
índice máximo de 85,5% do consumo padrão de energia. As fabricantes e
importadoras ainda poderão vender os produtos que já haviam sido
produzidos e importados antes desse prazo-limite até o final de 2024. Já
a partir de 31 de dezembro de 2025, as empresas de varejo e atacadistas
não poderão mais vender modelos com índice de eficiência energética
acima do patamar.
O objetivo
do governo com a medida é reduzir o consumo de energia elétrica e as
emissões de gases de efeito estufa. Segundo o Ministério de Minas e
Energia, a mudança vai permitir cortar a emissão de 5,7 milhões de
toneladas de gás carbônico até 2030.
A Eletros,
no entanto, critica a medida. A entidade afirma que ela vai elitizar o
setor e excluir do mercado geladeiras mais baratas e acessíveis para a
população com renda menor.
“As classes
C, D e E da população já responderam por 36% do nosso mercado há cinco
anos. Hoje elas são somente 11%. E vai diminuir ainda mais”, afirma
Jorge Nascimento, presidente-executivo da entidade.
Dados
recentes da Eletros apontam que 2023 será o segundo pior ano na última
década para o segmento de linha branca. As vendas não devem ultrapassar
os 13 milhões de unidades, de acordo com as expectativas da entidade.
Entidades
de defesa do consumidor e de pesquisas energéticas, por sua vez,
defendem a nova medida do Ministério de Minas e Energia. Elas afirmam
que a medida é necessária para reduzir o consumo de energia elétrica e
as emissões de gases de efeito estufa.
“O objetivo é não deixar entrar lixo no país”, diz Rodolfo Gomes, coordenador da Rede Kigali e diretor-executivo do IEI.
Para
Gomes, mesmo com as novas regras, o Brasil ainda terá uma “nota de
corte” menos rigorosa do que em outros países em desenvolvimento.
“Não
precisa ser um padrão rigoroso como na Europa ou nos Estados Unidos, mas
um padrão que seja factível para países como o nosso”, afirma.
Uma decisão do governo federal, publicada no início do mês, promete
tirar do mercado geladeiras ineficientes que não se encaixam nos
critérios de eficiência energética — ou seja, com baixo consumo de
energia elétrica. A medida causou mal-estar entre os fabricantes locais,
que já enfrentam uma queda no volume de produção dois anos seguidos. O
setor deve fechar 2023 com o segundo menor volume produzido nos últimos
dez anos.
Pelo cronograma do governo, a partir de 1.º de janeiro, não poderão
ser produzidas e importadas geladeiras com nível de eficiência
energética abaixo de 85,5%. Esse índice sobe para 90% em 2026. A
decisão, tomada pelo Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência
Energética do Ministério de Minas e Energia (MME), acendeu o sinal de
alerta para a indústria. A mudança de critério consta na Resolução n.º
2, de 23 de novembro de 2023, que foi publicada no Diário Oficial no dia
8 de dezembro.
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos
Eletroeletrônicos (Eletros), esse aperto pode retirar 10% dos volumes de
geladeiras já no próximo ano e 83% em 2026, quando o índice de
eficiência sobe para 90%. A produção de refrigeradores deve fechar este
ano em 4,9 milhões de unidades.
O MME disse, por meio de nota, que o processo de definição dos novos
índices de eficiência energética para as geladeiras “foi amplamente
discutido, inclusive com a participação da Eletros, que não logrou êxito
em apresentar dados que fundamentassem suas afirmações nas mais
diversas oportunidades, seja em consultas públicas ou nas reuniões
realizadas entre o Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência
Energética do MME e representantes da associação”.
O presidente da Eletros, José Jorge do Nascimento, diz que “só vão
ficar no mercado a partir de 2026 geladeiras com valor acima de R$ 4 mil
e isso vai provocar um prejuízo gigante para a população das classes C,
D e E”. Ele lembra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a
dizer, em meados do ano, que era preciso baratear o refrigerador para
que os mais pobres pudessem trocar a geladeira. Na época, Lula fez
alusão à cerveja “que não estava mais gelando”.
O setor vinha negociando com o MME uma transição gradual dos
indicadores de eficiência energética, diz o presidente da Eletros. A
intenção era que a indústria pudesse fazer os investimentos nos projetos
dos novos aparelhos e adaptar as linhas de suprimentos ao novo padrão
de eficiência energética. “Mostramos os estudos e o que a gente propunha
era que esses novos índices de eficiência passassem a valer em 2026 e
2030, de forma escalonada”, diz Nascimento.
No entanto, ele ressalta que o setor foi surpreendido com a
publicação da resolução no Diário Oficial neste mês. “Se o governo
mantiver essa posição, inevitavelmente vai ter demissão.” A reportagem
procurou Whirlpool, Electrolux e Esmaltec, as principais indústrias do
setor para saber os impactos da medida na produção, mas não obteve
resposta.
Posição do governo
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, houve reuniões com a
Eletros e o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, nas
quais a associação reiterou suas preocupações com os prazos e os
índices. No entanto, segundo o MME, a entidade “não apresentou novos
dados que pudessem comprovar os impactos esperados pelas empresas”.
O ministério rebateu a informação da indústria de que, pelo menos a
primeira fase de ajuste, que começa em 1.º de janeiro, retire produtos
do mercado. “Todos os aparelhos atualmente fabricados e comercializados
no País atendem ao índice de 85,5% definido para essa etapa”, diz a
nota.
Em relação ao risco de aumento de preços das geladeiras por conta das
novas exigências, o ministério argumenta que “experiências
internacionais demonstram que a evolução de vários mercados têm aumento
efetivo de eficiência sem alta de preços, e, em alguns casos, há
inclusive redução.”
Baixa renda
Em relação ao ponto levantado pela indústria de que serão retiradas
as geladeiras mais baratas do mercado e que isso afetaria a população de
menor renda, o presidente da Associação Brasileira das Empresas de
Serviços de Conservação de Energia (Abesco), Bruno Hebert, ressalta que
esse argumento não se sustenta do ponto de vista ambiental, energético
nem econômico. “O drama da baixa renda é a conta de energia, e não
adianta fazer um equipamento mais barato e ter uma conta de energia mais
cara”, afirma.
Segundo o especialista, estudos mostram que o custo de aquisição de
um equipamento elétrico é 4% do desembolso ao longo da vida útil do
produto. A maior fatia, 96%, é o consumo de energia. “Com três a quatro
anos, é possível pagar o valor total do refrigerador com a economia de
energia”, observa.
Na opinião do presidente da Abesco, as indústrias que não se
prepararam para esse momento de aumento da eficiência energética, que
vem sendo discutido desde 2015, no âmbito do Acordo de Paris, vão ter de
parar de fabricar esses produtos menos eficientes. A meta do País é
melhorar em 10% a eficiência energética até 2030.
“Vemos a medida com bons olhos”, diz Hebert. Ele argumenta que a
eficiência energética é o melhor caminho para o País, porque diminui
investimentos com transmissão, distribuição. “Inclusive é o melhor
caminho para a população de baixa renda.”
Momento crítico
Além das novas exigências de eficiência energética, o presidente da
Eletros acrescenta o aumento da alíquota de importação sobre o aço, de
10,8% para 25%, pleiteado pelo setor siderúrgico, como fator de pressão.
O aço responde pela metade do custo de produção da linha branca.
Nesse sentido, também está sendo observado pela indústria movimento
semelhante no preço das resinas plásticas, matéria-prima de grande
importância para a produção dos eletrodomésticos.
“Se o governo aceitar todas as medidas protecionistas aos insumos, o
produto final vai ficar mais caro”, alerta o presidente da Eletros.
Apesar da trajetória de queda da Selic, os juros fizeram um estrago nas
vendas de eletrodomésticos da linha branca este ano. Pelo alto valor
unitário, normalmente fogões, geladeiras e lavadoras são comprados a
prazo.
Dados da Eletros mostram que 2023 termina com segundo menor volume de
fogões, geladeiras e lavadoras produzidas dos últimos dez anos. São
12,9 milhões de unidades, um volume apenas 3,2% maior em relação a 2022,
quando foram fabricados 12,5 milhões de eletrodomésticos. O ano passado
foi o fundo poço para o setor. O pico do período ocorreu em 2012, com
uma produção de 18.880 aparelhos. O resultado deste ano frustrou a
expectativa, que era crescer entre 5% e 10% ante 2022.
COM: GAZETA DO BRASIL