Em depoimento sigiloso para a polícia, Muniz contou que foi apresentado a Cara Preta pelo empresário Antonio Gritzbach, acusado de lavar dinheiro para a organização criminosa; a defesa de Lulinha diz que as investigações sobre Muniz nunca atingiram o filho do presidente.
João Muniz Leite, de 60 anos, que já prestou serviços de contabilidade ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao filho dele, contou ter ganhado 250 vezes em loterias. Só em 2021, foram 55 vezes. Ele estima que, somados, os prêmios chegaram a R$ 20 milhões. A revelação está em depoimento sigiloso de Muniz à polícia ao qual o Estadão teve acesso.
Muniz era homem de confiança do advogado Roberto Teixeira, o compadre de Lula, trabalhou como contador do filho do presidente Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, e já prestou serviços para o próprio Lula. Ele chegou a ser ouvido como testemunha durante a Operação Lava Jato no processo do caso do triplex do Guarujá, pelo então juiz Sérgio Moro. Na ocasião, ele afirmou que fez a declaração de Lula entre os anos de 2011 a 2015, no escritório de Roberto Teixeira, a quem prestou serviços por 14 anos, como contador de suas empresas: o escritório de advocacia e duas firmas de administração de imóveis. A oitiva foi pedida pelo Ministério Público Federal (MPF), na investigação sobre a possível falsificação de recibos de um imóvel vizinho ao de Lula, em São Bernardo do Campo. Naquele depoimento, o contador negou que os recibos fossem falsos.
De 11 de novembro de 2019 até 31 de julho de 2023, segundo dados da Junta Comercial de São Paulo, Lulinha manteve uma de suas empresas, a G4 Entretenimento e Tecnologia Digital Ltda, registrada no mesmo endereço do escritório de Muniz, em Pinheiros, na zona oeste.
A defesa de Lulinha diz que as investigações sobre Muniz nunca atingiram o filho do presidente. Já o Palácio do Planalto afirmou que Lula não tem laços com o contador, que fez apenas poucas vezes a declaração de imposto de renda do petista (veja abaixo).
No depoimento à Polícia em São Paulo, o contador também admitiu que, por cinco anos, teve entre seus clientes um dos principais traficantes de drogas do Primeiro Comando da Capital (PCC): Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta ou Magrelo, ainda que o conhecesse apenas pelo nome de Eduardo Camargo de Oliveira, a identidade falsa que, segundo a polícia, ele usava para comprar empresas e lavar parte do dinheiro do narcotráfico.
Cara Preta foi assassinado em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé, na zona leste, ao lado de seu motorista, Antonio Corona Neto, o Sem Sangue. Em junho de 2022, a 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro da Justiça Estadual de São Paulo determinou o bloqueio de R$ 45 milhõesem imóveis e ônibus de integrantes do PCC e do contador. De acordo com o Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), em diversas oportunidades os valores das apostas feitas por Muniz superaram os dos prêmios. O objetivo seria óbvio: esquentar o dinheiro ilegal.
Ao afirmar à polícia que não sabia das atividades criminosas de Santa Fausta, Muniz revelou aos policiais quem o apresentou ao homem que ele dizia conhecer como Eduardo: foi o empresário Antonio Vinicius Lopes Gritzbach. Em 2023, Gritzbach foi denunciado pelo Ministério Público Estadual por lavagem de dinheiro da facção e como o mandante do assassinato do traficante. Motivo do delito: Gritzbach teria dado um golpe de R$ 100 milhões em Cara Preta, apropriando-se de investimentos em criptomoedas.
A morte de Santa Fausta deixou um rastro de sangue em São Paulo. Inconformada com o crime, a cúpula da facção ordenou as mortes do traficante Cláudio Marcos de Almeida, o Django, outro gigante do tráfico de drogas. Django foi julgado pelo tribunal do crime e obrigado a se enforcar em 27 de janeiro de 2022 sob o viaduto da Vila Matilde, na zona leste. Além dele, o tribunal também determinou a morte de Noé Alves Schaum, que foi esquartejado e teve a cabeça abandonada em uma praça no Tatuapé, também na zona leste. Na noite da véspera de Natal de 2023, Gritzbach escapou de um atentado em seu apartamento.
Ao Estadão, o advogado de Gritzbach, Ivelson Salotto, afirmou que seu cliente é inocente e nunca negociou criptomoedas para Santa Fausta. “Desafio qualquer um a apresentar uma prova de que o Vinícius operava criptomoedas para o Anselmo (Santa Fausta) . É invenção para motivar a acusação de mando do homicídio. Meu cliente era apenas um corretor de imóveis, jovem e ganancioso, que vendeu imóveis de luxo a pessoas erradas. Querem transformá-lo em bode expiatório. Por que a polícia não indiciou os compradores dos imóveis? É uma história macabra”, afirmou Salotto pouco depois do atentado.
Investimentos em empreendimentos imobiliários e a ‘surpresa da Mega-Sena’
Muniz afirmou que fez poucos serviços em nome de Santa Fausta. Entre eles estava a retirada de um certificado digital a pedido de Gritzbach. O outro caso envolveria a Mamoré Construtora, que ele teria indicado para Gritzbach como sendo uma empresa em que o empresário poderia investir. Foi nela que Santa Fausta investiu R$ 12 milhões em cinco empreendimentos. “Anselmo (Santa Fausta) pediu a restituição de R$ 3 milhões do total investido, os quais recebeu em sua conta”, afirmou Muniz.
Ele explicou ainda como ganhou na Mega-Sena com o acusado. “Eduardo estava na sala do declarante para realizar sua declaração de imposto de renda em 2021, quando um funcionário seu perguntou quem iria participar de um bolão. Foi quando Eduardo demonstrou interesse em participar dos jogos”, contou. Santa Fausta lhe teria entregado R$ 8 mil, ficando com três das cinco cotas do jogo. “Que surpreendentemente a aposta do declarante teria sido a premiada.” Muniz disse que 55 prêmios ficaram em nome de sua mulher porque era ela quem buscava o dinheiro nas lotéricas perto da casa da família.
“Após o início de minha compulsão por jogos, eu jogo todos os dias em todos os tipos de jogo possíveis, inclusive em compra de bolões.” Muniz não soube dizer quantas vezes ganhou nas apostas, mas disse acreditar que foram mais de 250 vezes, recebendo muitas das vezes prêmios de R$ 500 a R$ 2 mil. Com o dinheiro dos prêmios, afirmou ter comprado duas casas para funcionárias de seu escritório, três apartamentos e ajudado familiares em dificuldade, além de quitar uma dívida de R$ 6 milhões, o que explicaria, segundo ele, o fato de a Justiça ter bloqueado apenas R$ 500 mil em sua conta.
Para a polícia, no entanto, não resta dúvida de que o motivo era outro. Em relatório sigiloso, o Denarc informou à Justiça que Muniz “transferiu valores para as empresas de Anselmo (Santa Fausta)”, que funcionavam no mesmo endereço do escritório do qual o contador era sócio. “Não há como alegar desconhecimento da identidade falsa que Anselmo utilizou para constituir a empresa Oliveira Participações”, escreveu o delegado Fernando José Santiago. Ainda segundo ele, “é inegável que João Muniz praticou o crime de falsidade ideológica como meio de colaborar para o crime de lavagem de capitais em favor de Anselmo.”
O Estadão procurou a defesa de Muniz, mas não conseguiu localizá-la. Para o advogado Fábio Tofic, que defendeu Lulinha, o caso nunca atingiu o filho do presidente e está encerrado. O Palácio do Planalto, por sua vez, informou que “o presidente Lula não tem laço com o contador”. “Ele fez poucas vezes, por intermédio de um escritório, o Imposto de Renda do presidente”, completou a assessoria do chefe do Executivo. A reportagem também procurou os responsáveis pela defesa de Santa Fausta e Almeida, mas eles não foram localizados.
João Muniz Leite, de 60 anos, que já prestou serviços de contabilidade ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao filho dele, contou ter ganhado 250 vezes em loterias. Só em 2021, foram 55 vezes. Ele estima que, somados, os prêmios chegaram a R$ 20 milhões. A revelação está em depoimento sigiloso de Muniz à polícia ao qual o Estadão teve acesso.
Muniz era homem de confiança do advogado Roberto Teixeira, o compadre de Lula, trabalhou como contador do filho do presidente Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, e já prestou serviços para o próprio Lula. Ele chegou a ser ouvido como testemunha durante a Operação Lava Jato no processo do caso do triplex do Guarujá, pelo então juiz Sérgio Moro. Na ocasião, ele afirmou que fez a declaração de Lula entre os anos de 2011 a 2015, no escritório de Roberto Teixeira, a quem prestou serviços por 14 anos, como contador de suas empresas: o escritório de advocacia e duas firmas de administração de imóveis. A oitiva foi pedida pelo Ministério Público Federal (MPF), na investigação sobre a possível falsificação de recibos de um imóvel vizinho ao de Lula, em São Bernardo do Campo. Naquele depoimento, o contador negou que os recibos fossem falsos.
Estadão