segunda-feira, 26 de outubro de 2020

UM TERÇO DOS ESTUDANTES MAIS POBRES NÃO TEM ENSINO FUNDAMENTAL

No ritmo atual, 85% dos dispositivos nas metas de plano nacional não serão cumpridos no prazo; para especialista, Enem responsabiliza aluno pela educação que ele não teve


Seleção. Candidatos aguardam, em sala de aula, a aplicação de provas do primeiro dia do Enem
Candidatos aguardam, em sala de aula, a aplicação de provas do Enem
Foto: DENIS FERREIRA NETTO/AGência estado - 22.10.2011
Além da disparidade na oferta do ensino por parte das escolas públicas e privadas, as diferenças socioeconômicas dos dois grupos de estudantes precisam ser enfrentadas para se reduzir a desigualdade no acesso ao ensino superior. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que, entre os mais de 5 milhões de inscritos na edição de 2019 do Enem, 46% não tinham computador em casa, e 22,4% disseram não ter acesso à internet.

Entre os alunos mais pobres e os mais ricos do país, ainda existe um abismo. O percentual de pessoas de 16 anos com pelo menos o ensino fundamental concluído no Brasil é de 63,8% entre os 25% mais pobres e chega a 95,1% entre os 25% mais ricos, uma diferença de 31,3 pontos percentuais. A taxa de analfabetismo funcional da população de 15 anos ou mais é de 20% entre os mais pobres e de 5,3% entre os mais ricos. Os dados, de 2018, estão no relatório do terceiro ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) divulgado pelo Inep neste ano.

O PNE determina diretrizes e estratégias para a política educacional no período de 2014 a 2024, mas pesquisa da Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta que, no ritmo atual, cerca de 85% dos dispositivos nas metas estabelecidas não serão cumpridos no prazo. “Somente com investimentos de forma adequada, poderemos financiar as políticas já previstas em lei. Se cumpríssemos a legislação, não estaríamos enfrentando todo esse cenário de exclusão escolar”, afirma a coordenadora geral da Campanha, Andressa Pellanda.

Na avaliação do professor emérito da UFMG e pós-doutor em educação José Francisco Soares, investir em Educação em Tempo Integral (ETI) é importante para reduzir a desigualdade. Uma das metas do PNE é oferecer ETI em, no mínimo, 50% das escolas públicas para atender pelo menos 25% dos alunos. Mas, em 2019, o percentual de escolas com ETI ainda era de 23,6%.

Para o professor da PUC Minas Teodoro Adriano Zanardi, é preciso também pensar em outras formas de ingresso no ensino superior e entendê-lo como um direito. Dados do IBGE mostram que quase 75% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos estão atrasados ou abandonaram os estudos. “Como exame seletivo, o Enem dita quem vai para o ensino superior, o que ainda é para poucos no Brasil. Só serve para responsabilizar o jovem pela educação que não teve a qualidade que deveria”, pontua. “Acredito que este vai ser um momento decisivo para pensar no ingresso ao ensino superior, se continuaremos justificando desigualdades ou pensaremos outro sistema”, diz.

Cursinhos populares

Os cursinhos populares que ajudam estudantes de baixa renda a se preparar para o Enem também tiveram que fazer adaptações. E muitos alunos abandonaram as aulas devido à dificuldade de acesso à internet. O Doar Educa, fundado em 2016, já acompanhou mais de 700 pessoas nos estudos para o exame. Normalmente, os professores voluntários dão aulas todos os dias à noite, nas unidades da Vila Ponta Porã e Serra, em Belo Horizonte, mas, com a pandemia, o trabalho mudou.

“Cada professor faz de um jeito, alguns gravam vídeo, outros enviam material”, conta o coordenador do curso, o engenheiro Bruno Isaac. Segundo ele, o cursinho começou o ano com cerca de 150 alunos nas duas unidades e, agora, são cerca de cinco por unidade. “Algumas pessoas não têm computador, outras não têm espaço em casa”, avalia.

No Pré-Vestibular Comunitário Vila Marçola, atuante desde 2006, o número de alunos caiu pela metade ao longo do ano. “Não é todo mundo que tem condição de acompanhar (o curso online). Será o pior ano de Enem para os alunos”, pontua um dos coordenadores do projeto, Ronaldo Moreira.

Saiba mais

  • Data. O Enem 2020 será realizado nos dias 17 e 24 de janeiro de 2021, na versão impressa. Pela primeira vez, haverá também versão digital do exame, nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro. As provas serão aplicadas em postos credenciados, e os computadores serão disponibilizados pelo Inep.
  • Consulta. Enquete feita pelo Ministério da Educação com estudantes mostrou que a maioria gostaria que a prova ocorresse em maio de 2021.
  • Perfil. Mais da metade dos inscritos têm até 20 anos. As mulheres correspondem a 60% dos participantes. A maioria se autodeclarou parda (47%). Em seguida, estão os brancos (34,7%), pretos (13,3%) e amarelos (2,2%).
Dê: O TEMPO/Por RAFAELA MANSUR