No momento em que o soldado romano trespassava a
lança no coração de Jesus para se certificar de sua morte, um homem surgiu da
plateia e agrediu o ator com um capacete
Com trajes de soldado romano, o ator Samir Rodrigues,
de 23 anos levou uma pancada na nuca e a primeira coisa que lhe veio à cabeça
foi que havia acontecido um acidente na Paixão de Cristo de Nova Hartz, no Rio
Grande do Sul. "Bá, um dos guris caiu da cruz", pensou consigo mesmo,
achando que tinha servido de almofada para um dos ladrões crucificados ao lado
de Jesus no palco.
SAIBA MAIS
Instantes depois, o ator viu que errou o palpite. Um sujeito acabara de saltar
da plateia e invadir o proscênio para tentar salvar o Salvador. "Não matem
Jesus", teria gritado antes de entrar em ação. "Olhei para o lado e
tinha um cara com um capacete de moto na mão", contou Rodrigues, que foi
agredido pelas costas, para espanto dos cerca de 3 mil presentes na Praça do
Trabalhador, onde o espetáculo foi apresentado na Sexta da Paixão, 30.
O público que filmava a cena da crucificação de Cristo, clímax da peça, acabou
gravando tudo e as imagens viralizaram nas redes com mais de 600 mil
visualizações - número 30 vezes maior do que a população de Nova Hartz, com
cerca de 20 mil habitantes. No vídeo, dá para ver que Rodrigues seguiu
normalmente o script, isso até o outro rapaz tentar mudar o roteiro da
História.
A voz de Jesus, dependurado na cruz, sai de um alto-falante: "Pai, em Tuas
mãos entrego meu espírito". Em meio à fumaça de gelo seco e uma trilha
sonora de tensão, o soldado romano caminha até lá e crava uma lança no lado
direito do peito de Cristo.
É aí que, de repente, um dos espectadores, mesmo de calça e com uma das mãos
ocupadas, salta mais de um metro para cima do palco principal - ao todo, foram
montados oito para a peça. Ligeiro, ele desfere um golpe com o capacete e dá um
chute em Rodrigues. Entre os presentes, há quem diga que o agressor, que tem o
nome mantido em segredo apesar de ser conhecido na cidade, estava
"transtornado". Já outros argumentam que tem "problema
mental" ou ainda que está passando por um "momento difícil".
O homem foi contido por atores, contrarregras e organizadores do evento e logo
retirado de cena. O público ajudou a mantê-lo isolado até a chegada da Brigada
Militar, a PM gaúcha. Passado o "transtorno", o espetáculo continuou;
a plateia conseguiu ver Jesus ressuscitar e aplaudiu de pé no fim.
No link, vídeo da cena inuzitada.
Atrasado
Estreando no papel de Jesus, o ator e ex-seminarista Fernando Pires, de 19
anos, contou que não viu nenhuma parte da confusão porque estava de olhos
fechados, concentrado em ser crucificado. "Ele chegou 2018 anos e três
minutos atrasado para salvar Jesus, porque até na peça eu já tinha dado o
suspiro final", disse.
Segundo conta, ele achou que o tumulto fazia parte da encenação. "No
momento que o guarda encosta a lança, têm uns trovões e o pessoal que fica
atrás da cruz faz barulho", disse Pires, que em edições anteriores
interpretou o anjo Gabriel e um ancião do Templo. "Só percebi que tinha
algo errado quando os narradores disseram que a peça iria continuar."
"A gente conseguiu se manter calmo e a energia que o público passou deu
força para seguir", afirmou. "Mas, sinceramente, na hora pensei que
eu sou um ótimo ator. Interpretei Jesus tão bem que o cara achou que era de
verdade."
Encenada há cinco anos, a Paixão de Cristo de Nova Hartz é feita pelo Planeta
Jovem, grupo teatral que reúne atores voluntários da comunidade, muitos deles
sem experiência em artes cênicas. Para se manter, o grupo recebe doações, até
de materiais - o capacete usado por Rodrigues, por exemplo, tinha sido dado por
um amigo. O ator acredita que adereço amorteceu o impacto. "Não tive
ferimentos graves", disse. "Só a cabeça que ficou doendo por uns dois
dias."
O diretor do espetáculo Adriano Ferreira, de 40 anos, lamentou o ocorrido, mas
ponderou que, pelo menos, o episódio serviu para dar publicidade ao grupo.
"Eu não queria que fosse dessa forma, mas a gente fica 'feliz' porque a
cidade ficou conhecida", disse. "Era um momento bem forte, a plateia
estava muito emocionada, a adrenalina estava alta: o rapaz surtou, não soube
separar ficção de realidade."
A vítima preferiu não registrar boletim de ocorrência. "Ele é irmão de um
grande amigo meu", disse Rodrigues sobre o homem que invadiu a Paixão de
Cristo. "Perdoei na mesma hora que aconteceu. A gente estava passando uma
mensagem de amor na peça, então não ia fazer diferente." A reportagem não
conseguiu localizar o agressor.
fonte: Estadão Conteúdo