09/04/2024 09/04/2024
O contador João Muniz Leite, de 60 anos, é um dos alvos da Operação
Fim de Linha, deflagrada na manhã desta terça-feira, 9, pelo Grupo
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). A 1ª Vara de
Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da
Capital expediu mandado de busca e apreensão em busca de provas que
corroborem os indícios de que ele seria um dos personagens centrais na
montagem do esquema de lavagem de dinheiro da facção pela empresa de
ônibus UPBus.
Quando começou a ser investigado em 2021 no âmbito da Operação
Ataraxia, do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos
(Denarc), Muniz era suspeito de amealhado 55 prêmios na loteria. Ao ser
ouvido pelos policiais, meses depois, ele admitiu ter ganhado 250 vezes
nas mais diversas loterias, conforme revelou o Estadão em fevereiro.
O número não para de crescer. Desta vez, dados trazidos à
investigação pela Polícia Federal mostram que a sorte do contador foi
muito maior. O inquérito da PF mostrou que ele e a mulher, Aleksandra
Silveira Andriani ganharam juntos 640 vezes nas Lotofácil, Mega Sena e
Quina. No caso de Aleksandra, foram 462 prêmios entre 18 de dezembro de
2020 e 25 de novembro de 2021, recebendo R$ 2,45 milhões, após ter
apostado R$ 2,14 milhões. Já o marido, de 3 de janeiro de 2019 a 17 de
abril de 2021 foi agraciado com 178 vezes, auferindo R$ 17.528.815,00,
depois de apostar R$ 381.625,00.
Muniz ficou conhecido como o Contador do Lulinha por ter trabalhado
para Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, a quem também prestou serviços. Muniz chegou a ser
ouvido como testemunha durante a Operação Lava Jato no processo do caso
do triplex do Guarujá, pelo então juiz Sérgio Moro. De 11 de novembro
de 2019 até 31 de julho de 2023, segundo dados da Junta Comercial de São
Paulo, Lulinha manteve uma de suas empresas, a G4 Entretenimento e
Tecnologia Digital Ltda, registrada no mesmo endereço do escritório de
Muniz, na zona oeste da capital.
Em meio à investigação sobre a captura do sistema de transportes pelo
Primeiro Comando da Capital (PCC), os investigadores encontraram
indícios da formação de uma grande rede de negócios para a lavagem de
dinheiro do crime organizado que inclui escritórios de contabilidade,
agentes, fundos imobiliários, empresas de máquina de cartão de crédito e
débito e distribuidoras de combustível.
É nesta rede de empresários, contadores, advogados e criminosos que
entram as suspeitas envolvendo Muniz e seus clientes ligados à UPBus.
Nos últimos sete anos, enquanto a empresa registrava prejuízos de até R$
5 milhões por ano, só um de seus acionistas, Admar de Carvalho Martins,
recebeu R$ 15 milhões em “lucros distribuídos”.
Martins, segundo os promotores seria ligado a acusados de outros
esquemas de lavagem, como o que envolveria a distribuição de combustível
Noroest Distribuidora de Combustíveis e o que envolveria e empresa
Zipag Correspondente e Cobrança, que, de acordo com as investigações,
teve movimentações financeiras de 974,3 milhões em 2022, mas declarou
uma receita bruta de R$ 10,4 milhões
De acordo com o Gaeco, Martins ocultou e dissimulou a natureza,
origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores
provenientes dos crimes de tráfico de drogas e organização criminosa
para aquisição, em nome próprio, de cinquenta e oito cotas do capital
social da UPBus, avaliadas em R$ 7.168.800,00, entre os anos de 2015 e
2021. Além de relações com o grupo de Martins, Muniz teria relação ainda
com os principais líderes do PCC envolvidos com a empresa.
Seriam, segundo o Gaeco, Sílvio Luiz Correia, o Cebola. Foragido por
ter sido condenado por tráfico de drogas – ele foi solto no plantão
judicial pelo desembargador Otávio Henrique de Sousa Lima, do Tribunal
de Justiça de São Paulo, posteriormente aposentado compulsoriamente,
após soltar outro traficante: Welinton Xavier dos Santos, o Capuava –
Cebola é defendido por outro personagem conhecido de Muniz: o advogado
Ahmed Hassan Saleh, o Mude.
Uma das provas da relação do contador com os acusados seria o fato de
ele ter transmitido as declarações de renda de Cebola, Mude, de Décio
Gouveia, o Décios Protuguês e dos traficantes de droga Claudio Marcos de
Almeida, o Django, e Anselmo Becheli Santa Fausta, o Magrelo ou Cara
Preta, do mesmo MAC Adress.
Além disso, ele recebeu com Magrelo um prêmio na Mega sena de mais de
R$ 40 milhões, além de ter sido responsável pela abertura de uma
empresa com uma identidade falsa usada pelo traficante
A reportagem procurou o contador, mas não conseguiu localizá-lo. De
acordo com os investigadores, mais da metade do valor recebido em
loteria por Magrelo foi transferido, por meio de operação controlada por
João, a empresas aparentemente de “prateleira” em nome de uma mulher,
que recebi, em 2020, R$ 5 mil mensais em seu emprego.
Por fim, a Receita Federal concluiu que os lucros obtidos pelo
contador não são compatíveis com a receita bruta de suas empresas, mesmo
que considerados os valores recebidos com a premiação das loterias. Em
2022, ele declarou receber R$ 1,8 milhão da JML Consultoria e Assessoria
Empresarial LTDA – a sua empresa –, que teve receita bruta declarada de
apenas R$ 162.666,67.
No fim de 2022, Muniz foi ouvido pelo Denarc e admitiu que, por cinco
anos, teve Magrelo entre seus clientes, ainda que o conhecesse apenas
pelo nome falso de Eduardo Camargo de Oliveira. Também admitiu que
ganhara na loteria, mas negou qualquer participação na lavagem de
dinheiro do crime organizado.
Magrelo ou Cara Preta foi assassinado em 27 de dezembro de 2021, no
Tatuapé, na zona leste, ao lado de seu motorista, Antonio Corona Neto, o
Sem Sangue. Em junho de 2022, a 1.ª Vara de Crimes Tributários,
Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro da Justiça Estadual de São
Paulo determinou o bloqueio de R$ 45 milhões em imóveis e ônibus de
integrantes do PCC e do contador.
De acordo com o Gaeco, Magrelo era um dos maiores traficantes de
drogas do País. Responsável por receber cocaína do Peru e da Polícia e
reenviá-lo para a Europa, ele atuava na conexão que uniu o PCC à Máfia
dos Bálcãs e à ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, no sul da Itália. Em
2021, ele foi investigado sob a suspeita de ter financiado o roubo de
770 quilos de ouro no Aeroporto de Guarulhos, acumulando uma fortuna
estimada em R$ 500 milhões. Segundo os promotores, entre abril e
setembro daquele ano, ele movimentou R$ 105.987.085,00.
Fonte: Estadão