A prática da meditação pode fazer com que as pessoas passem a adotar comportamentos mais altruístas, segundo estudo alemão com 332 voluntários. Os resultados foram atingidos com sessões semanais de meia hora, ao longo de três meses
Martin
Luther King dizia que cada homem tem uma escolha na vida: caminhar pela luz do
altruísmo construtivo ou pelas trevas do egoísmo destrutivo. O líder do movimento
negro ficou famoso na década de 1960, época de grande violência racial nos
Estados Unidos, ao defender um dos lados: o da igualdade e do amor ao próximo.
Mas não é só o trabalho de ativistas que pode estimular as pessoas a seguir a
trilha do bem comum, segundo cientistas da Alemanha. Por meio de experimentos,
eles mostraram que é possível despertar o humanitarismo com ajuda da meditação.
Principal
autora do estudo, publicado na revista especializada Scientific Reports, Anne
Böckler-Raettig diz que o cenário atual não se mostra muito diferente de
tensões do passado. A crise dos refugiados e a desigualdade social são alguns
exemplos do forte clima de animosidade e da necessidade de atitudes mais
altruístas. Para ela, a cooperação é um dos fatores essenciais para resolver
essas questões. “A pró-sociabilidade humana está no centro das sociedades
pacíficas e é fundamental para enfrentar os desafios globais”, ressalta a
professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Würzburg.
Em um
experimento científico que durou alguns meses, um grupo de 332 participantes,
com idade entre 20 e 55 anos, foi submetido a três tipos de treinamento mental
que tinham o objetivo de aumentar a compaixão e a solidariedade. No primeiro
módulo, foram trabalhados o aumento da atenção no momento presente e a
consciência corporal — semelhante ao que é ensinado em aulas de redução do
estresse baseadas na meditação mindfulness.
O segundo
módulo, chamado afeto, teve como foco habilidades socioafetivas, como
compaixão, gratidão e motivação pró-social. Nele, os participantes invocaram
sentimentos de cuidado para si e para os outros por meio da meditação, além de
participar de uma atividade feita em parceria. Por meio do diálogo, eles
falaram sobre situações difíceis vivenciadas recentemente e exploraram suas
emoções em relação aos acontecimentos relatados.
O terceiro
módulo foi sobre a flexibilidade cognitiva. Pela meditação, os voluntários
treinaram o pensamento observacional — tiveram que analisar o que pensavam sem
julgar como algo negativo ou positivo. “Nós estávamos interessados em descobrir
qual treinamento mental seria eficaz em cultivar comportamentos
altruisticamente motivados, isto é, o comportamento que é imediatamente
direcionado para melhorar o bem-estar de outra pessoa”, conta Anne
Böckler-Raettig. Os participantes contaram com a ajuda de professores em todas
as atividades.
Técnicas simples
Ao analisar
o desempenho dos voluntários, os pesquisadores chegaram à conclusão de que
apenas o módulo afeto teve um impacto direto no comportamento altruísta. Após
esse treinamento, as pessoas se mostraram mais generosas e dispostas a ajudar
os outros espontaneamente. Elas, por exemplo, doaram quantias de dinheiro
maiores a organizações de assistência social. “Esse módulo, aplicado por
professores por meio de reuniões semanais de cerca de 30 minutos, ao longo de
três meses, efetivamente impulsionou comportamentos altruístas. Nenhum dos
outros dois módulos apresentou tantos progressos quanto o do afeto”, detalha a
autora.
A conclusão
da equipe é de que a motivação e o comportamento altruísta podem ser alterados
por meio de práticas mentais simples, curtas e baratas. “Cultivar essas
capacidades afetivas e motivacionais nas escolas, em ambientes de saúde e em
locais de trabalho pode ser um passo efetivo para enfrentar os desafios de um
mundo globalizado e avançar para uma sociedade solidária”, destaca Anne Böckler-Raettig.
“Conseguimos demonstrar que a pró-sociabilidade humana é maleável e que
diferentes aspectos desse comportamento podem ser melhorados sistematicamente
por meio de diferentes tipos de treinamento mental.”
Kenia
Mickessia de Amorim Oliveira, psicóloga escolar do colégio Galois, em Brasília,
acredita que as novas gerações têm tido dificuldade em praticar o altruísmo.
Por isso, a importância de exercitar a habilidade por meio das experiências.
“Acho que intervenções como essa do estudo alemão podem resgatar esse
sentimento de humanidade e, principalmente, trabalhar a inteligência emocional,
algo que cada dia mais vemos como é importante”, diz.
A psicóloga
conta que existe uma portaria que estuda a implantação da educação emocional no
ambiente educacional. Para ela, a medida pode ter impactos muito positivos em
crianças. “Na infância, temos os conflitos de identidade, de pertencimento a um
grupo. Quando você não é aceito, algumas atitudes dos outros podem ser cruéis,
gerar muito sofrimento. Por isso, é importante esse tipo de orientação, que
envolve também o estímulo ao altruísmo”, opina.
Mais estudos
Os autores
chamam a atenção para o fato de que a simplicidade das atividades testadas é um
dos pontos positivos do estudo. “Nossos treinamentos são relativamente simples
e curtos, e a maioria das pessoas poderia integrá-los em suas vidas diárias.
Nossos resultados mostram que é possível fazê-los regularmente. Em alguns
meses, eles já mudam tendências comportamentais”, diz a líder da pesquisa.
Ainda assim,
a equipe reforça que o trabalho precisa ser aprofundado. Os pesquisadores
acreditam que a coleta de mais informações poderá otimizar as técnicas. “Claro
que novos estudos precisarão mostrar quão duradouros são esses efeitos e se
eles podem ser estabelecidos em locais de trabalho e escolas. Os próximos
passos envolvem investigar se os efeitos positivos dos treinos são estáveis ao
longo do tempo, se ainda podem ser observados meses após o treinamento. Também
será interessante examinar se algumas pessoas se beneficiam mais com o
treinamento do que outras. Essas informações podem nos ajudar”, adianta Anne
Böckler-Raettig.
Atenção plena
A prática
tem raízes filosóficas e também na religião budista, na qual é considerada
extremamente importante para o “caminho para iluminação”. Por meio de técnicas
de controle da respiração e do pensamento, o indivíduo consegue melhorar a sua
concentração e se manter mais consciente do presente, chegando à atenção plena
“Cultivar essas capacidades afetivas e motivacionais nas escolas,
em ambientes de saúde e em locais de trabalho pode ser um passo efetivo para
enfrentar os desafios de um mundo globalizado e avançar para uma sociedade
solidária”
Anne Böckler-Raettig, pesquisadora do Instituto
de Psicologia da Universidade de Würzburg e líder do estudo
Um desafio global e também
científico
O cenário
internacional extremamente repleto de crises é um campo propício para o
estímulo a um comportamento altruísta entre as pessoas de todas as idades,
ressaltam especialistas. “Eu acho que lidar com os atuais desafios globais,
como reduzir as alterações climáticas e ajudar os refugiados a viver em
segurança e dignidade, exige que as pessoas não dependam apenas de decisões
políticas. Nós todos fazemos o mundo. E o mundo só vai se tornar um lugar
melhor se começarmos a cuidar um do outro e não apenas de nós mesmos”, defende
Anne Böckler-Raettig, líder do estudo que relaciona altruísmo e meditação.
A psicóloga
Kenia Mickessia de Amorim Oliveira chama a atenção para o fato da falta de
atitudes humanitaristas em situações cotidianas, como parabenizar um conhecido
pela data de aniversário. “Isso se tornou algo mais frio, feito por mensagem ou
por e-mail. No consultório, vejo muito isso, pessoas carentes desse contato”,
relata. “Acredito que, por ter muitas informações disponíveis, as pessoas não
valorizam o outro, fica tudo muito efêmero e perdemos a capacidade de ter
empatia. Vemos muito isso nas relações pessoais, quando o que eu quero do outro
não me satisfaz mais, facilmente posso partir para outra.”
Dentro do cérebro
Para a
neuropsicóloga Marcela Patrícia de Almeida, a questão da mulher é outro tema
pertinente ao debate sobre a importância de se ter um comportamento
humanitarista. “Só que é um cenário complexo. Podemos analisar hoje e, daqui a
15 dias, isso tudo mudar, principalmente no cenário político em que nos
encontramos agora. Não sabemos se isso vai caminhar para frente ou para trás”,
frisa.
A
especialista conta que há poucos estudos de neuropsicologia sobre o tema, e os
que existem tentam entender qual área do cérebro estaria relacionada a esse
comportamento. “Temos pesquisas que mostram outros dados relacionados à
solidariedade que reforçam como despertar esse comportamento pode ser positivo.
Muitas delas mostram que, ao dar algo a alguém, a reação de prazer causada no
cérebro é maior do que quando você recebe. Essa sensação de fazer algo
altruísta se mostra como algo com potencial para ser estimulado”, complementa.
(VS)
Dê: Vilhena
Soares/CB