· Março 4, 2023
Foto: Reprodução.
Após anunciar no começo de fevereiro que iniciaria uma guerra para
dar fim ao gatonet, a Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) contou
a Tilt que já começou a desativar remotamente os aparelhinhos
piratas usados para usufruir digitalmente do sinal de TV paga e plataformas de
streaming.
Em entrevista a Tilt, o superintendente de fiscalização da
Anatel, Hermano Tercius, detalhou como os bloqueios acontecem, disse que clientes
destes serviços já estão sentindo o impacto, mas admite que é impossível acabar
de vez com o uso ilegal de conteúdo audiovisual pago.
Recorrendo a dados
de associações do setor, a Anatel estima que são cerca de 7 milhões os
aparelhos ilegais de TV Box no Brasil – a agência conta apenas os não
homologados, ou seja, aqueles que não passaram por testes de conformidade
necessários para certificação que libera a venda no país. O número de usuários,
ainda que uma projeção, é bem maior.
Ninguém vai à residência dos 7 milhões [de aparelhos] pra checar. Cada
acesso desse é usado por uma família. Se for pegar a estimativa de média de
pessoas da família, dá mais de 20 milhões”Hermano Tercius, superintendente
de fiscalização da Anatel
‘Anatel,
meu TV Box parou de funcionar’
A agência não
informa o número de aparelhos bloqueados nem o modelo do aparelho. Tercius
comenta, porém, que já há pessoas admitindo o golpe em fóruns na internet
dedicados à pirataria. Na mesma linha, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri,
disse a jornalistas no MWC, maior evento de tecnologia móvel do mundo, que tem
gente ligando para a agência reclamando que a TV Box parou de funcionar.
Baigorri aposta no
desinteresse pelo produto (“Vamos criar uma experiência tão ruim que ninguém
mais vai querer comprar”), mas o superintendente admite que a iniciativa tem um
caráter limitado.
A agência não tem a pretensão de acabar com a TV pirata. Há pessoas que
trabalham para burlar [o bloqueio]. Queremos combater a prática e acreditamos
que vai diminuir bastante com a conscientização da população e nossas ações. No
fundo, o bloqueio tornará a disponibilidade cada vez menor. Mas, mesmo assim,
um serviço que funciona hoje 100% do tempo vai passar a funcionar 50%.”Hermano
Tercius
Acabar
com Gatonet x Combater risco de segurança
Apesar de alardeada
como uma guerra ao gatonet, a ação, argumenta a Anatel, é para assegurar a
integridade das redes de internet domésticas.
A Anatel não bloqueia conteúdo. Nossa questão é que estes aparelhos não
homologados oferecem perigo para as redes de computador e para os usuários”Hermano
Tercius
Se antes a
pirataria do sinal fechado de TV era feita por decodificadores, dispositivos
que “quebram” o código de operadoras a cabo ou via satélite de forma
clandestina, com o tempo as caixinhas que conectam uma TV à internet caíram no
gosto do brasileiro.
“Em 2020,
registramos cerca de 400 mil [apreensões de TV Box]; já em 2021, pulou para 3,5
milhões”, comenta o superintendente da Anatel, indicando o resultado de
fiscalizações feitas em portos e aeroportos com a Receita Federal.
Estes aparelhinhos
não só permitem acesso a canais pagos mas também abrem conteúdo de streaming.
Mas há riscos. Entre 2021 e 2022, a agência concluiu que modelos piratas de TV
Box comprometem a segurança das pessoas, pois permitem:
·
Roubo de dados de aparelhos que estejam na mesma rede de internet da TV
Box. Isso inclui até capturas de tela de celulares ou computadores;
·
Uso da rede a que estão conectados para executar ataques de negação de
serviço (quando uma grande quantidade de computadores se une para derrubar uma
plataforma ao fazer requisições simultâneas de acesso)
Como
é o o bloqueio?
O combate às TV Box
piratas funciona à base de denúncias, recebidas por um grupo de trabalho
com técnicos da agência. Em tese, qualquer pessoa pode dedurar. Na prática, são
mais bem recebidos os informes feitos por associações de TV paga e streaming,
que têm laboratórios para testar aparelhos e elaborar relatórios mais robustos.
É importante ressaltar que a denúncia não é ‘olha, meu vizinho está
usando equipamento pirata’. A gente não quer pessoas em específico, mas uma
rede de aparelhos. As denúncias costumam detalhar, por exemplo, fabricante,
modelos e os servidores que eles acessamHermano Tercius
Se as denúncias
procederem, as operadoras de backbone do Brasil são acionadas. São essas
empresas que conectam a internet do Brasil com a do mundo. Tercius explica que
elas é que realizarão o bloqueio por IP [espécie de RG de aparelhos conectados
à internet], protocolos usados pelas TV Box e “múltiplas técnicas”.
A Anatel não revela
que “múltiplas técnicas” são essas. O bloqueio por IP pode ser complexo, pois a
maioria das conexões residenciais conta com endereços dinâmicos, o que tornaria
o processo, no máximo, temporário. Acontece que os provedores costumam atribuir
a clientes residenciais uma faixa de IPs mutáveis por ser mais barato. Para
empresas, a prática é fornecer IPs estáticos.
Para Marcelo Zuffo,
professor do departamento de engenharia de sistemas eletrônicos da USP
(Universidade de São Paulo), eficaz mesmo é bloquear os servidores que liberam
acesso a conteúdo pago.
Ele diz, porém, que
é possível desativar os aparelhos individualmente ao bloquear suas portas de
acesso e até seu endereço MAC [espécie de CPF do aparelhinho, funciona como
endereço físico imutável].
Na
esteira da desativação de celulares piratas
O bloqueio dos
aparelhos TV Box é similar a outro tipo de ação da Anatel. Em 2018, a agência
passou a bloquear celulares não homologados — a maioria era importada
da China e com múltiplos chips de telefonia, numa época em que a chamada entre
clientes de uma mesma operadora era muito mais barata.
Com o auxílio das
operadoras, esses celulares paravam de acessar as redes móveis do país. Na
época, os donos destes “celulares piratas” recebiam SMS dizendo que o aparelho
seria desconectado. O processo usava o IMEI (um identificador único dos
celulares).
Créditos: TILT/UOL.