Por trás do incêndio que já destruiu 26% do Parque Nacional da Chapada
dos Veadeiros, em Goiás, há uma combinação de interesses econômicos privados e
negligência do setor público em relação aos crimes ambientais
COMBATE Brigadista em
meio às chamas: força-tarefa demorou uma semana para chegar (Crédito: FERNANDO
TATAGIBA)
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Conhecida
como berço das águas por abrigar centenas de nascentes, rios e cachoeiras, a
Chapada dos Veadeiros, em Goiás, foi castigada nas últimas semanas pelo maior
incêndio de que se tem notícia na região. Foram destruídos pelo menos 64 mil
hectares dos 240 mil que compõem a área protegida como Parque Nacional.
O total
queimado corresponde a quase 70 mil campos de futebol e abriga as principais
atrações naturais da reserva que injeta R$ 100 milhões por ano na economia
local. “Nunca tinha visto um incêndio dessa proporção”, diz Fernando Tatagiba,
gestor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, controlado pelo Instituto
Chico Mendes (ICMBio), órgão do Ministério do Meio Ambiente.
O maior
foco de incêndio teve início na terça-feira 17, às margens da rodovia GO-118,
próximo ao município de Pouso Alto. Um inquérito para apurar as causas será
aberto a pedido do Ministério. Tudo leva a crer que o fogo tenha sido
criminoso. “Motoqueiros carregando galões de gasolina foram vistos na região
pela população”, afirma o ministro em exercício, Marcelo Cruz. Uma das razões
aventadas por ambientalistas é o interesse de fazendeiros da região em ocupar
terras da reserva com o avanço de pastos e lavouras. “Não tenho como afirmar a
motivação, isso a investigação vai nos dizer, mas sabemos que o fogo começou em
locais estratégicos, de difícil acesso e a favor do vento que, nessa região, gira
em torno de 50 km por hora”, diz o ministro, reforçando a ideia de origem
criminosa.
CORTE
DE GASTOS
Pior que uma tragédia ambiental desse porte é o descaso das autoridades, cuja
prontidão em dar uma resposta eficaz ao incêndio fez com que ele saísse de
controle.
Cruz
assumiu interinamente a pasta em substituição ao deputado federal José Sarney
Filho (PV), que se licenciou do cargo para poder votar a favor de Michel Temer
na quarta-feira 25, durante a sessão que barrou a segunda denúncia da
Procuradoria-Geral da República contra o presidente.
Ainda que
Cruz afirme ter se empenhado na resposta à tragédia, o fogo já ardia por uma
semana quando o governo federal enviou as primeiras aeronaves ao local,
iniciando tardiamente o que seria a maior operação de combate na história do
Cerrado. Um avião Hércules da FAB, capaz de despejar 12 mil litros de água por
voo, se somou a seis aeronaves de pequeno porte e dois helicópteros do Ibama,
além centenas de brigadistas e voluntários.
Segundo
ambientalistas, a demora em enviar os equipamentos adequados não é o único
ponto falho na ação do ministério. O fogo é um elemento natural do ecossistema
do Cerrado.
Por isso
mesmo, é imprescindível investir na prevenção. De acordo com Marcus Saboya,
presidente da ONG Rede de Integração Verde (RIV) e membro do Conselho do Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros, o número de brigadistas do Ibama na região
foi reduzido este ano por corte de gastos. “Esses profissionais são
fundamentais para fazer frente ao fogo antes que ele se alastre, porque depois
não há número que consiga extingui-lo em pouco tempo.
Os ventos
por aqui são fortes e mudam de direção, espalhando as chamas para todo lado”,
diz Saboya, que há 18 anos vive na região e já atuou no combate ao fogo muitas
vezes – mas nenhum com a força destruidora das últimas semanas. “Foi um dano
incalculável e irreparável a esse bioma, que tem espécies ameaçadas de
extinção. A flora do Cerrado até pode voltar logo que começar a chover, mas os
prejuízos ao ecossistema são imensos com a morte de centenas de espécies”,
afirma. Entre as espécies ameaçadas de extinção e endêmicas, que só existem no
local, estão o pato-mergulhão, o lobo-guará, o cervo-do-Pantanal e a onça
pintada.
FUMAÇA Vista aérea da
região por onde o fogo avança: especialistas temem a morte de espécies
ameaçadas
A região
de Alto Paraíso de Goiás, uma das mais atingidas pelo fogo, ao lado de Cavalcante,
já vive também uma crise hídrica. Nos últimos três anos, os índices pluviais do
município de Alto Paraíso ficaram abaixo da média histórica. “A nascente que
abastece a cidade está sem água e outras estão secando. Não há rios volumosos
por aqui, mas muitas nascentes”, afirma Saboya. “As temperaturas estão cada vez
mais altas e os ambientes cada vez mais secos.” Com o clima seco, as queimadas,
que continuam sendo provocadas por alguns pecuaristas da região, podem se
alastrar rapidamente, impulsionadas pelos ventos fortes dessa época do ano. Não
ter uma estratégia preventiva eficaz é uma das omissões do poder público que
acabaram fazendo da fatalidade o pior incêndio da região.
Valeria Corbucci
27.10.17 - 18h00