Ao abrir a porta que dá acesso ao quintal de casa, no início de outubro, a dona de casa Maria de Lourdes* acreditou estar diante de uma das dez pragas do Egito, descritas na Bíblia como sinais enviados por Deus para demonstrar soberania: ela foi surpreendida por uma nuvem de mosquitos que, em 64 anos de vida, nunca tinha visto igual. “Fiquei desesperada, com vontade de correr e sumir daqui”, contou. Ela é moradora da pequena Inimutaba, na região Central de Minas, onde, há cerca de um mês, não se fala em outra coisa a não ser da infestação de pernilongos que tomou a cidade, tirando o sossego, o sono e a paciência dos cerca de 7.500 habitantes. A prefeitura chegou a decretar situação de emergência.
O bairro Conjunto Habitacional Santo Antônio, onde Maria mora, é um dos mais prejudicados. Ela e a família trocaram a noite pelo dia, já que as muriçocas têm hábitos de alimentação noturnos e não deixam ninguém dormir. Além da tela na janela e dos cortinados nas camas, eles já tentaram de tudo, desde queimar uma mistura de folha de eucalipto com fezes de boi a atear fogo em pó de café. De repelente, já gastaram mais de dez latas.
“A gente recolhe os pernilongos com aspirador de pó, e não dá nem para conversar direito, porque eles entram dentro da boca. Parece que, quando matamos um, vem uns dez para o velório”, brincou o filho dela, de 36 anos.
Na cidade, sempre houve pernilongos. Neste ano, porém, segundo a prefeitura, a situação está pior porque o ribeirão Santo Antônio, que corta Inimutaba, secou, mas continuou a receber a água utilizada pela Copasa na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em Curvelo, cidade vizinha. A água passou a acumular e permanecer parada, tornando o antigo córrego o ambiente ideal para a proliferação dos mosquitos.
Sem saída. A casa do mecânico de manutenção Armando Rodrigues, 62, no bairro Portal do Cerrado, fica fechada o dia inteiro, mas os pernilongos dão um jeito de entrar. “Está uma coisa sem controle, eles tomaram conta de tudo. É só apagar a luz que começa o barulho, não dá para descansar”, disse.
Até o centro, mais afastado do córrego, foi tomado pelas muriçocas. A filha de 3 anos do vendedor Neuber da Costa, 38, teve alergia das picadas e ficou com o corpo empolado. “Tivemos que levá-la ao médico, e, agora, ela está tomando um antialérgico. É muito ruim”, lamentou Costa.
* Nomes fictícios
Fiocruz. Estudo da Fundação Oswaldo Cruz com mosquitos Culex mostrou que o zika vírus consegue alcançar a glândula salivar do inseto, o que indica a possibilidade de transmissão pelo pernilongo.
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