sábado, 28 de outubro de 2017

DEVASTAÇÃO CRIMINOSA

Por trás do incêndio que já destruiu 26% do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, há uma combinação de interesses econômicos privados e negligência do setor público em relação aos crimes ambientais

COMBATE Brigadista em meio às chamas: força-tarefa demorou uma semana para chegar (Crédito: FERNANDO TATAGIBA)

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Conhecida como berço das águas por abrigar centenas de nascentes, rios e cachoeiras, a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, foi castigada nas últimas semanas pelo maior incêndio de que se tem notícia na região. Foram destruídos pelo menos 64 mil hectares dos 240 mil que compõem a área protegida como Parque Nacional.
O total queimado corresponde a quase 70 mil campos de futebol e abriga as principais atrações naturais da reserva que injeta R$ 100 milhões por ano na economia local. “Nunca tinha visto um incêndio dessa proporção”, diz Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, controlado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), órgão do Ministério do Meio Ambiente.
O maior foco de incêndio teve início na terça-feira 17, às margens da rodovia GO-118, próximo ao município de Pouso Alto. Um inquérito para apurar as causas será aberto a pedido do Ministério. Tudo leva a crer que o fogo tenha sido criminoso. “Motoqueiros carregando galões de gasolina foram vistos na região pela população”, afirma o ministro em exercício, Marcelo Cruz. Uma das razões aventadas por ambientalistas é o interesse de fazendeiros da região em ocupar terras da reserva com o avanço de pastos e lavouras. “Não tenho como afirmar a motivação, isso a investigação vai nos dizer, mas sabemos que o fogo começou em locais estratégicos, de difícil acesso e a favor do vento que, nessa região, gira em torno de 50 km por hora”, diz o ministro, reforçando a ideia de origem criminosa.

                            CORTE DE GASTOS


Pior que uma tragédia ambiental desse porte é o descaso das autoridades, cuja prontidão em dar uma resposta eficaz ao incêndio fez com que ele saísse de controle.
Cruz assumiu interinamente a pasta em substituição ao deputado federal José Sarney Filho (PV), que se licenciou do cargo para poder votar a favor de Michel Temer na quarta-feira 25, durante a sessão que barrou a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente.
Ainda que Cruz afirme ter se empenhado na resposta à tragédia, o fogo já ardia por uma semana quando o governo federal enviou as primeiras aeronaves ao local, iniciando tardiamente o que seria a maior operação de combate na história do Cerrado. Um avião Hércules da FAB, capaz de despejar 12 mil litros de água por voo, se somou a seis aeronaves de pequeno porte e dois helicópteros do Ibama, além centenas de brigadistas e voluntários.
Segundo ambientalistas, a demora em enviar os equipamentos adequados não é o único ponto falho na ação do ministério. O fogo é um elemento natural do ecossistema do Cerrado.
Por isso mesmo, é imprescindível investir na prevenção. De acordo com Marcus Saboya, presidente da ONG Rede de Integração Verde (RIV) e membro do Conselho do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o número de brigadistas do Ibama na região foi reduzido este ano por corte de gastos. “Esses profissionais são fundamentais para fazer frente ao fogo antes que ele se alastre, porque depois não há número que consiga extingui-lo em pouco tempo.
Os ventos por aqui são fortes e mudam de direção, espalhando as chamas para todo lado”, diz Saboya, que há 18 anos vive na região e já atuou no combate ao fogo muitas vezes – mas nenhum com a força destruidora das últimas semanas. “Foi um dano incalculável e irreparável a esse bioma, que tem espécies ameaçadas de extinção. A flora do Cerrado até pode voltar logo que começar a chover, mas os prejuízos ao ecossistema são imensos com a morte de centenas de espécies”, afirma. Entre as espécies ameaçadas de extinção e endêmicas, que só existem no local, estão o pato-mergulhão, o lobo-guará, o cervo-do-Pantanal e a onça pintada.
FUMAÇA Vista aérea da região por onde o fogo avança: especialistas temem a morte de espécies ameaçadas

A região de Alto Paraíso de Goiás, uma das mais atingidas pelo fogo, ao lado de Cavalcante, já vive também uma crise hídrica. Nos últimos três anos, os índices pluviais do município de Alto Paraíso ficaram abaixo da média histórica. “A nascente que abastece a cidade está sem água e outras estão secando. Não há rios volumosos por aqui, mas muitas nascentes”, afirma Saboya. “As temperaturas estão cada vez mais altas e os ambientes cada vez mais secos.” Com o clima seco, as queimadas, que continuam sendo provocadas por alguns pecuaristas da região, podem se alastrar rapidamente, impulsionadas pelos ventos fortes dessa época do ano. Não ter uma estratégia preventiva eficaz é uma das omissões do poder público que acabaram fazendo da fatalidade o pior incêndio da região.


Valeria Corbucci
27.10.17 - 18h00