A
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou nesta quarta-feira
(4) regras para a demissão de servidor público estável por
“insuficiência de desempenho”, aplicáveis a todos os Poderes, nos níveis
federal, estadual e municipal.
A regulamentação tem por base o substitutivo apresentado pelo relator, senador Lasier Martins (PSD-RS), a projeto de lei (PLS 116/2017 – Complementar) da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE). A matéria ainda passará por três comissões, a começar pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS)
Debate de
quase duas horas antecedeu a votação, encerrada com nove votos favoráveis à
proposta e quatro contrários.
Pelo
texto, o desempenho funcional dos servidores deverá ser
apurado anualmente por uma comissão avaliadora e levar em conta, entre outros
fatores, a produtividade e a qualidade do serviço. Deve ser garantido o direito
ao contraditório e à ampla defesa.
No texto de Maria do Carmo, a
responsabilidade pela avaliação de desempenho seria do chefe imediato de cada
servidor.
A justificar sua opção por transferir
a tarefa a uma comissão, Lasier Martins afirmou que nem sempre o chefe imediato
é um servidor estável, mas sim um comissionado sem vínculo efetivo com a
administração pública.
O relator disse que também pesou
na sua decisão temores de entidades representativas dos servidores, expostas em
debate na CCJ.
Para as entidades, não seria
razoável deixar exclusivamente a cargo da chefia imediata uma avaliação que
levar à exoneração de servidor estável.
Segundo ele, foi citado o risco
de uma decisão de tamanha gravidade ser determinada “por simpatias ou
antipatias no ambiente de trabalho”.
Quanto à periodicidade das
avaliações, Maria do Carmo havia sugerido elas ocorressem a cada seis meses.
Ao justificar a opção por
processos com periodicidade anual, Lasier afirmou que seis meses seria um
intervalo de tempo “muito curto” para a realização das avaliações, gerando
carga de atividades que nem todos órgãos públicos estariam aptos a cumprir
com a necessária eficiência.
Fatores
de avaliação
De acordo com o substitutivo, a
apuração do desempenho do funcionalismo deverá ser feita entre 1º de maio de um
ano e 30 de abril do ano seguinte.
Produtividade e qualidade serão
os fatores avaliativos fixos, associados a outros cinco fatores variáveis, escolhidos
em função das principais atividades exercidas pelo servidor no período. Estão
listados, entre outros, “inovação, responsabilidade, capacidade de iniciativa,
foco no usuário/cidadão”.
A ideia é que os fatores de
avaliação fixos contribuam com até metade da nota final apurada. Os fatores
variáveis deverão corresponder, cada um, a até 10% da nota.
A depender da nota final, dentro
de faixa de zero a dez, o desempenho funcional será conceituado dentro da
seguinte escala: superação (S), igual ou superior a oito pontos; atendimento
(A), igual ou superior a cinco e inferior a oito pontos; atendimento parcial
(P), igual ou superior a três pontos e inferior a cinco pontos; não atendimento
(N), inferior a três pontos.
Demissão
A possibilidade de demissão estará
configurada, segundo o substitutivo, quando o servidor público estável obtiver
conceito N (não atendimento) nas duas últimas avaliações ou não alcançar o
conceito P (atendimento parcial) na média tirada nas cinco últimas avaliações.
Quem discordar do conceito
atribuído ao seu desempenho funcional poderá pedir reconsideração ao setor de
recurso humanos dentro de dez dias de sua divulgação. A resposta terá de ser
dada no mesmo prazo.
Também caberá recurso da decisão
que negar, total ou parcialmente, o pedido de reconsideração. Mas essa a
possibilidade só será aberta ao servidor que tiver recebido conceito P ou N. O
órgão de recursos humanos terá 15 dias, prorrogáveis por igual período, para
decidir sobre o recurso.
Esgotadas todas essas etapas, o
servidor estável ameaçado de demissão ainda terá prazo de 15 dias para
apresentar suas alegações finais à autoridade máxima da instituição onde
trabalha.
O substitutivo deixa claro também
que a insuficiência de desempenho relacionada a problemas de saúde e psicossociais
poderá dar causa à demissão, mas apenas se a falta de colaboração do servidor
no cumprimento das ações de melhoria de seu desempenho não decorrer
exclusivamente dessas circunstâncias.
Carreiras
de Estado
O texto de Maria do Carmo
estabelecia um processo de avaliação de desempenho diferente para servidores de
carreiras exclusivas de Estado, como policiais, procuradores de órgãos de
representação judicial, defensores públicos e auditores tributários.
Essas categorias poderiam
recorrer à autoridade máxima de controle de seu órgão caso houvesse
indeferimento total ou parcial de recurso contra o resultado da avaliação. A
exoneração por insuficiência de desempenho também dependeria de processo
administrativo disciplinar específico.
Lasier Martins mudou a proposta
com a justificativa de que poderia haver inconstitucionalidade na medida. Na
reformulação desse dispositivo, ficou estipulado que a exoneração por
insuficiência de desempenho de servidores vinculados a atividades exclusivas de
Estado dependerá de processo administrativo específico, conduzido segundo os
ritos do processo administrativo disciplinar.
Emendas
Onze emendas foram apresentadas
ao projeto, mas Lasier acatou apenas duas, apresentadas pelo senador Humberto
Costa (PT-PE), de modo parcial. Uma delas garante prioridade aos servidores
avaliados com insuficiência de desempenho nos programas de capacitação e
treinamento dos respectivos órgãos.
A emenda também livraria o
servidor nesta condição de ser penalizado com o conceito “P” (atendimento
parcial) ou “N” (não atendimento) nas próximas avaliações caso seu órgão não
fornecesse a reciclagem exigida. Esse parte da emenda, porém, não foi
aproveitada.
Lasier aproveitou o ponto
referente à necessidade de os órgãos priorizarem a oferta de programas de
capacitação e treinamento aos servidores com insuficiência de desempenho.
Entretanto, considerou
“descabido” o bloqueio das avaliações posteriores de quem está nessa faixa, na
hipótese de a reciclagem não ter sido ofertada.
A segunda emenda se refere ao
processo de desligamento dos servidores que exercem atividades exclusivas de
Estado.
Nesse caso, ele adotou a proposta
para que a exoneração por insuficiência de desempenho dependerá de processo
administrativo específico, além de sugestão para deixar claro, como queria
Humberto Costa, que a decisão final nesse caso competirá à autoridade máxima da
instituição.
A base
das alterações sugeridas por Humberto Costa foi o parecer do senador Romero
Jucá (PMDB-RR) a projeto de lei da Câmara (PLC 43/1999- Complementar), de autoria do Executivo,
que também disciplinava a perda de cargo público por insuficiência de
desempenho do servidor estável. Esse projeto foi arquivado em 2007, sem que a
Câmara dos Deputados se manifestasse sobre o substitutivo oferecido por Jucá e
aprovado pelo Senado.
Eficiência
Ao defender sua proposta, Maria
do Carmo disse que seu objetivo não é prejudicar os “servidores públicos
dedicados”, “que honram cotidianamente os vencimentos que percebem e são
imprescindíveis para o cumprimento das atribuições estatais”.
Disse ser necessário levar em
conta que, quando não há a perda do cargo de um agente público negligente,
sérias consequências derivam dessa omissão.
“A sociedade se sente lesada,
porquanto desembolsa pesados tributos para o correto funcionamento da máquina
pública que, por sua vez, não lhe retorna o investimento em bens e serviços.
Além disso, a mensagem passada aos servidores responsáveis e que prestam bem o
seu papel é de que não vale a pena o esforço, pois aquele funcionário que não
trabalha e sobrecarrega os demais jamais será punido”, argumentou.
Lasier concordou com Maria do
Carmo sobre a necessidade “premente” de regulamentação do processo de avaliação
de desempenho do servidor público.
Apesar de enxergar a estabilidade
não só como um direito, mas também como uma garantia de que a atividade estatal
será exercida com maior impessoalidade e profissionalismo, o relator na CCJ
observou que esse instituto “não pode ser uma franquia para a adoção de
posturas negligentes ou desidiosas pelo servidor”.
Rejeição
Durante a discussão, o senador
Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) apresentou voto em separado pela rejeição.
Justificou que sua divergência não se fundamentava na “defesa cega” de supostos
privilégios dos servidores, esse um discurso de defensores do Estado mínimo e
do desmonte das políticas públicas.
Segundo ele, a proposta ainda
motiva dúvidas tanto técnicas quando a respeito de seus objetivos.
— Há dúvidas razoáveis sobre seus
fins políticos reais, direcionados, em alguma medida, a favorecer um expurgo
arbitrário do serviço público, com vistas à redução do tamanho do Estado, numa
perspectiva econômica ortodoxa, arcaica e, sobretudo, autoritária — sustentou.
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM),
que pediu verificação de presença na votação, disse que o momento não é
próprio, nem a forma do projeto serve para abrir um debate tão importante.
Para ela, há o risco de se
cometer inúmeras injustiças com os servidores. Lamentou que nove emendas suas
tenham sido rejeitadas e a apontou hipótese de vício constitucional no projeto,
pois iniciativas referentes a carreiras de servidores caberiam apenas ao
Executivo.
“Meritocracia”
A senadora Ana Amélia (PP-RS)
disse não associar o projeto com o fim da estabilidade, mas, sim, como defesa
da “meritocracia”. Outros senadores, como Eduardo Braga (PMDB-AM), mesmo
defendendo a proposta, disse que ainda há necessidade de aprimoramento, que
podem ser feitos nas próximas comissões que analisarão a matéria.
O senador Armando Monteiro
(PTB-PE) concordou com a tese de Braga de que o desempenho do servidor muitas
vezes é prejudicado pela falta de condições de trabalho, mas disse que isso não
é motivo que que não se falam avaliações de desempenho.
— É possível identificar às
vezes, em precaríssimas condições materiais, servidores que se superam em meio
a essas limitações e dão belos exemplos cotidianamente do seu compromisso e,
verdadeiramente, daquilo que eles internalizam como sendo a sua missão —
afirmou Monteiro.
A senadora Simone Tebet (PMDB-MS)
votou a favor, mas também apontou a possibilidade de vício de
constitucionalidade.
No caso de leis complementares,
que se aplicam a todos os poderes e entes federativos, ela afirmou que só é
possível legislar em relação a normas gerais, e não específicas, como faz o
projeto.
A senadora chegou a defender o
adiamento da votação para que o assunto fosse melhor estudado, mas observou que
ajustes podem ainda ser feitos nas demais comissões.