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Entre as diversas coisas que dificilmente conseguimos prever em nossas vidas, a morte é uma delas — a certeza é que ela virá em algum momento. Falar sobre o tema é importante, quebrar tabus acerca de nossa finitude, mas também sobre nossa capacidade de ajudar o próximo. A doação de órgãos é uma dessas conversas importantes e sobre a qual falamos pouco. pode se tornar uma questão que dará a chance de outras pessoas sobreviverem ou continuarem as suas vidas de maneira mais confortável.
No Brasil, a recusa
para doação de órgãos foi de 42% em 2021, de acordo com os últimos dados
da ABTO(Associação Brasileira de Transplante de Órgãos). São 2.642 pessoas que
poderiam doar seus órgãos, mas a recusa familiar impossibilitou o transplante.
Enquanto isso, mais de 48 mil pessoas esperam por algum tipo de doação de
órgãos.
Pensando nisso, Ecoa conversou com especialistas para
entender melhor como funciona a doação de órgãos, quando ela acontece e outras
questões acerca do tema.
O que é transplante de órgão, como e quando é feito?
“O transplante de
órgãos é um procedimento cirúrgico em que um ou mais órgãos de uma pessoa com
uma doença grave, sem possibilidade de melhora com outros tipos de tratamentos,
é substituído por outro ou parte de um órgão de um doador”, diz José Eduardo
Afonso Júnior, coordenador Médico do Programa de Transplantes do Hospital
Israelita Albert Einstein.
O médico ainda explica que o procedimento pode ser feito tanto de
doadores vivos como de doadores commorte encefálica (cerebral). “Em vida pode ser
feita apenas para rim, parte do fígado ou dos pulmões”, esclarece Afonso
Júnior. Já quando a morte ocorre por parada cardíaca ou respiratória só é
possível doar córneas, peles e ossos.
A morte cerebral é
quando não há mais nenhuma função cerebral e o estado é irreversível. O
diagnóstico segue uma série de procedimentos e precisa ser feito por mais de um
médico.
Diferente do coma, a morte cerebral não tem volta. Uma vez
diagnosticada, não há chance que o paciente volte à vida e os órgãos são
mantidos funcionando apenas pelo uso de aparelhos. A Lei nº 9.434/2017, conhecida como Lei dos
Transplantes, assegura que a doação de órgãos só pode ser feita depois de
constatada a morte encefálica.
“É importante que
haja clareza para a família que morte encefálica é igual à morte, não há
possibilidade de reversão do quadro. Para que haja diagnóstico de morte
encefálica, é necessária uma avaliação clínica minuciosa, por profissionais
habilitados para fazer esse diagnóstico, dentro de critérios definidos pelo
Conselho Federal de Medicina, além de exames confirmatórios”, esclarece Afonso
Júnior.
“Não existe
possibilidade de se propor a doação de órgãos a uma família se não houver
certeza de que o potencial doador está em morte encefálica. Esse diagnóstico é
revisto por mais de um profissional e também por profissionais de fora da
instituição em que está o potencial doador. O protocolo para diagnóstico de
morte encefálica no Brasil é 100% confiável”, completa tranquilizando.
Como funciona a fila de espera do transplante de órgãos?
A de fila de espera
para quem precisa receber uma doação funciona de acordo com o grau de
gravidade. Mas não faz nenhuma diferenciação entre localidade ou classe social
do paciente que precisa do órgão. A cirurgia do transplante e o tratamento
podem ser feitos por meios particulares. No entanto, todos estão sujeitos à
fila pública de órgãos.
“A fila de
transplante é pública, independentemente de qualquer característica social do
paciente. Seja pelo sistema público ou não. Então, não há qualquer
diferenciação nesse sentido. O sistema de distribuição de órgãos oferece para
todos a mesma oportunidade e chance de conseguir transplantar”, explica o
médico nefrologista Gustavo Ferreira, presidente da ABTO (Associação Brasileira
de Transplante de Órgãos).
Além disso, os
dados inseridos na fila não identificam quem são os pacientes de meio
particular ou da rede pública, e mais de 90% dos procedimentos são feitos pelo
SUS.
Em casos de
pacientes que residem em um Estado onde não há a especialidade de transplante
de que necessite, a rede pública oferece o custeio completo em outra cidade e
estado por meio do TFD (Tratamento Fora do Domicílio).
“O Brasil possui o
maior programa público de transplantes do mundo. O controle das listas de
espera é feito pela Central Nacional de Transplantes, órgão vinculado ao
Ministério da Saúde, com apoio das Centrais Estaduais de Transplantes”, comenta
Afonso Júnior.
Ele reconhece, que
apesar das dificuldades relacionadas à gestão da lista de espera em um país com
dimensões continentais como o Brasil, a eficiência do Sistema Nacional de
Transplantes é reconhecida internacionalmente. “Se há algo que os brasileiros
podem se orgulhar é a seriedade e competência com que o SUS trabalha em relação
à doação de órgãos e às atividades transplantadoras”, acredita o médico.
Como se tornar doador de órgãos e qual o papel da família no processo?
Mesmo que uma
pessoa se conscientize sobre o tema e já tenha pensado em ser doadora de
órgãos, a decisão final será sempre de sua família no momento da constatação da
morte cerebral.
“O doador falecido
(em morte encefálica), em geral, sofreu um evento trágico e inesperado
levando-o à morte. Uma realidade extremamente dolorosa à família que, no
momento de dor e sofrimento, é acolhida e entrevistada em relação à intenção de
doar os órgãos de seu ente querido”, explica Afonso Júnior.
“Na legislação
brasileira, é necessário que a família autorize a doação de órgãos. Pois não há
documentos criados em vida que permitam que os órgãos sejam extraídos sem
autorização da família de uma pessoa em morte encefálica”, completa o médico.
Para José Huygens
Garcia, chefe do serviço de transplante de fígado do Hospital Universitário da
Universidade Federal do Ceará e ex-presidente da ABTO (2020-2021), trabalhar
algumas questões da importância do transplante podem ajudar a família a decidir
pelo procedimento depois da morte cerebral constatada.
“Geralmente os
acidentes com morte encefálica têm um sofrimento da família. Mas nessa hora da
entrevista, esse sofrimento pode ser amenizado pela doação de órgãos sabendo
que aquela morte não será em vão. Vai salvar alguém que precisa de um coração,
tirar uma pessoa da hemodiálise ou ainda fazer com que pessoas voltem a
enxergar”, explica o médico.
“Essas questões
podem amenizar esse momento, mas quem decide no final é a família. Por isso, é
importante que todo cidadão informe esse desejo em vida aos seus familiares”,
reforça Garcia.
Qual a importância da conscientização sobre o transplante?
Apesar da recusa de
mais de 40%, o Brasil ainda ocupa o 23º lugar de doadores efetivos por milhão
de habitantes (15,8 por milhão) e é o quarto em números absolutos de
transplantes renais, de acordo com os últimos dados da ABTO. EUA e Espanha
figuram em primeiro e segundo lugar, com 38 e 37,4 doadores por milhões de
habitantes, respectivamente.
Para o presidente
da ABTO, o alto índice de recusa ainda se deve à falta de informação. “O Brasil
tem elevada taxa de sucesso de transplantes e temos milhares de pessoas
aguardando pelo órgão, mas a desinformação ainda é um problema”, acredita.
Garcia vai ao
encontro das afirmações do colega e afirma que essa é realmente uma forma de
dar uma nova chance aos que esperam. “O transplante é o último tratamento para
curar um órgão, quando não há mais o que fazer, e eles realmente podem salvar
vidas. As pessoas que estão na fila do transplante, na maioria das vezes terão
a cura com esse procedimento”, explica.
É no caminho da
conscientização que o projeto de Lei Tatiane (PL 2839/2019) luta pela
proposta de inserir o tema de doação de transplante de órgãos em escolas e
faculdades do Brasil, a fim de conscientizar estudantes em fases diferentes da
vida.
“Enquanto a
sociedade não entender que é essencial a doação para que esses pacientes possam
ter a chance de continuar vivendo, vamos manter esse número elevado de negativas
familiares”, acredita Ferreira.
FONTE: TB NOTÍCIAS