Foto: Medley/Reprodução.
Quem faz uso do medicamento losartana potássico foi surpreendido por um chamamento para recall da Sanofi Medley, farmacêutica responsável pelo remédio. De acordo com a empresa, foi identificada a presença de impurezas mutagênicas nos produtos e, por isso, como uma medida preventiva, a farmacêutica chamou para o recolhimento voluntário de todos os lotes do medicamento.
De acordo com a empresa, as impurezas detectadas podem causar alterações no DNA dos usuários, aumentando a possibilidade de câncer a longo prazo. Porém, a farmacêutica ressaltou ao Correio que não há indícios de que “o produto que contém a impureza causou uma mudança na frequência ou natureza dos eventos adversos relacionados a cânceres, anomalias congênitas ou distúrbios de fertilidade”. Dessa forma, a empresa diz que “não há risco imediato em relação ao uso dessas medicações contendo losartana”.
Segundo o professor do Laboratório de planejamento de fármacos e modelagem molecular (LabMol) da Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Goiás (UFG) Bruno Junior Neves algumas impurezas tem o potencial de ser danosas a saúde. “Nem todas as impurezas oferecem risco a saúde humana. Entretanto, algumas delas são consideradas mutagênicas e/ou carcinogênicas. As impurezas mutagênicas são capazes de induzir mutações e danos ao DNA humano”, explica.
Esse tipo de contaminação ocorre por algum erro durante a fabricação do produto. De acordo com o professor de química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luiz Carlos Dias, os processos para liberação de medicamento são muito rígidos e, por isso, qualquer impureza detectada é o suficiente para o medicamento precisar de um recall. “O controle de qualidade é feito por amostragem. Pode ser que em alguns frascos alguém tenha cometido algum erro, porque todas as impurezas são removidas durante o processo de purificação”, explica.
O professor Bruno ainda destaca que os processos exigidos pela Anvisa são bastante seguros. “É importante ressaltar que a Anvisa monitora de perto a fabricação de medicamentos no Brasil. Os protocolos de gerenciamento de risco utilizados atualmente são eficientes e suficientes para mapear o risco de formação destas impurezas em toda a cadeia de produção de medicamentos.”, afirma.
Segundo Luiz Carlos, a falha cometida pela Medley é muito grave, já que todos os produtos devem passar por controle de qualidade dentro da fábrica, antes de ser levado até o consumidor. “Houve falha no controle de qualidade e isso é algo muito sério. É esperado a aparição de impurezas, mas o setor de qualidade é fundamental no sentido de fazer as análises e hoje temos equipamentos com altíssimo grau de precisão. Provavelmente eles não testaram a qualidade de todos os lotes.”
Luiz Carlos, no entanto, ressalta que o problema é especificamente com os lotes em circulação. Isso não quer dizer que o medicamento tenha algum problema ou que ele cause câncer. “Isso não diz respeito à qualidade do produto. Este é um medicamento muito importante, ele está na lista de medicamentos do SUS e é um dos principais compostos para combater a hipertensão”, afirma.
A losartana é utilizada no tratamento de hipertensão arterial e atua como bloqueadora dos receptores da angiotensina II (BRAs). O remédio consta na lista de medicamentos distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e integra a primeira linha das drogas no combate às doenças cardíacas, de proteção aos rins em pacientes com diabetes tipo 2 e na recuperação após ataques cardíacos.
A farmacêutica também esclareceu que o remédio será ajustado e voltará ao mercado em alguns meses. O recall está ocorrendo desde outubro do ano passado. Segundo a farmacêutica, o recolhimento é preventivo. “Mesmo com o risco desta substância em humanos ainda não ser conhecido, optou pelo recolhimento de todos os lotes com o potencial de conter esta substância, o qual foi aprovado pela Anvisa, reforçando o compromisso da empresa com a qualidade de seus produtos e segurança dos pacientes”, afirmou.
Segundo o professor Luiz Carlos, este é o procedimento correto. “Se tiver qualquer impureza é preciso saber qual o potencial dela, mesmo que ela esteja em 0,1% do produto. Geralmente todas as impurezas possíveis já são de conhecimento da empresa. Quando a impureza não tem nenhum potencial de prejudicar, as agências reguladoras podem aceitar uma porcentagem pequena, mas nesse caso eles nem sabem o potencial dela”, ressalta.
A farmacêutica também ressalta que parar de tomar o medicamento de forma abrupta, sem trocar apresenta mais riscos à saúde “do que o risco potencial apresentado pela impureza em níveis baixos”.
Processo químico
A fabricação de um medicamento envolve várias etapas de produção. De acordo com Luiz Carlos, em cada uma dessas etapas é necessário usar produtos e também são gerados componentes químicos que não estarão no composto final. Por isso, o medicamento passa por vários processos de purificação. “É como peneirar um suco de laranja. Essa etapa tem como objetivo retirar materiais que foram utilizados, que não serão incorporados na estrutura final”, explica. No fim, é esperada uma taxa de pureza de mais de 99,5% e que, em alguns casos, pode chegar a 100%.
Não é a primeira vez que a Medley tem esse problema com a losartana. Entre 2018 e 2019, o uso do fármaco foi suspenso após ser detectada a presença de um contaminante no princípio ativo da droga, a nitrosamina — um subproduto da síntese da losartana. De acordo com o professor Bruno, existe uma determinação da Anvisa de que a nitrosamina não é aceitável em anthipertensivos. “As nitrosaminas são uma classe de impurezas mutagênicas e potencialmente carcinogênicas em humanos e, por esse motivo, devem ser controlados a níveis considerados aceitáveis e seguros”, destaca.
Para quem toma o medicamento, a recomendação é entrar em contato com o SAC da Medley pelo 0800-703-0014. O professor Bruno ressalta que caso a pessoa faça uso de losartana de outra marca não é necessário parar o uso do medicamento. “Os pacientes que utilizam losartana da Medley devem procurar imediatamente o farmacêutico e o médico para devolução, mediante correta checagem do lote, e substituição da medicação, respectivamente”, explica.
CRÉDITOS: CORREIO BRASILIENSE