Furnas, a entidade Furnas, nasceu de uma barragem, a primeira, construída “nas furnas’ do Rio Grande em algum lugar logo depois da junção dos rios Sapucay e Grande.
Ali se situam os limites do município de Guapé, à sudoeste, fazendo divisa hoje com Capitólio, Nova Barra e Alpinópolis.
Na década de 1950 Juscelino KUBISTCHECK, o trator, como a maioria de brasileiros, que não tem ascendência indígena pois teria origem tcheca, por parte de sua mãe, e talvez até um pouco de sangue cigano.
Juscelino nasceu em Diamantina. Médico, se tornou político e marcou os destinos de BH, de Minas e do Brasil para sempre, para inveja e ciúmes de outras classes dirigentes da época.
Juscelino chegou depois de Vargas, o Getúlio, aquele mesmo que flertou com o Hitler e que apesar de impor uma legislação trabalhista, criar a Petrobras, no fim, talvez até por remorsos de um passado de traições, achou mais nobre dar fim aos seus dias. Não fez falta, pois logo a seguir apareceu o mineiro de Diamantina.
Belo-Horizonte, Minas e Brasil – a ascensão foi rápida como rápido era seu raciocínio, tanto que foi pro Rio de Janeiro, a capital federal da época, e logo tratou de criar Brasília, que era onde ele queria ficar.
O “50 anos em 5” lhe autorizava a transportar até cimento em avião e como um trator passou por cima de muita coisa nesse Brasil, subjugado pela cultura europeia e submisso a um “amarican way of life” que, após a Segunda Guerra, parecia ditar o novo comportamento para o norte e para o sul do planeta, principalmente o sul.
Quando Juscelino assumiu a presidência, em 1956, o seu famoso plano de metas já estava escrito e Furnas, a construção da barragem, seria sua obra maior, mais ousada e impactante para toda a nação. O Brasil não dispunha de energia suficiente para avançar no seu desenvolvimento.
Os progressistas de então, tendo à frente, a imprensa, na pessoa de Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, aplaudiram e garantiram as condições para que o mineiro pudesse transformar em ações tudo que ele almejava, para aquele Brasil dos anos 1950, rico em recursos, mas sem voz no concerto das nações do pós-guerra, afinal os pracinhas de Monte Cassino não fizeram nem cócegas nos nazistas.
Guapé – uma cidade progressista, graças à atuação do importante, inteligente e também ousado Dr. Sano, vivia sua glória deixando para atrás cidades maiores e mais importantes como Passos, Boa Esperança, entre outras.
Mas Guapé não tinha mais o seu Dr. Sano, que morrera menos de uma década antes, e assim se via obrigada a caminhar com as próprias pernas, defender os seus direitos, com o que dispunha de meios e pessoas, nem sempre muito competentes e capazes de garantir a continuação da obra do grande filho da terra, o doutor, político e senador Dr. Sano.
Nossos políticos locais entregaram Guapé para ser transformada em caixa d´água para alimentar os grandes centros do Brasil em energia, a mais pura, a elétrica.
Apoiado em uma popularidade sem precedentes, alimentada pela atuação da poderosa mídia, principalmente de São Paulo, JK tinha carta branca para fazer o que bem entendesse – o Brasil o aplaudia.
Os únicos que, além de não entender, se viam enganados, injustiçados, logo pelo mineiro presidente do Brasil, era os habitantes da região.
Guapé, no final da década de 1950 tinha 15 mil habitantes – foram necessários 60 anos para chegar novamente a esse numéro de habitantes. Em dois ou três anos, o município perdeu um terço de seus habitantes, mais de 50% de sua renda, se viu ilhado, com estradas que acabavam em barrancos pois faltavam ponte, sobrando para a sua gente, cruzar os braços de represa pendurados em jangadas de tambores, quando existiam.
Pequenos e grandes proprietários de terras, cultivadas por muitas gerações, de repente foram desalojados, na maioria das vezes sem ter recebido a indenização pelas mesmas, uma vez que os montantes eram escandalosamente ridículos, então entravam com ações na justiça para receberem sabia se lá quando. Só foi bom para as bancas de advogados. Sem seus bens, sem recursos para adquirir outros, restavam-lhes juntar o que era possível carregar e ir para casa de parentes ou a periferia de outras cidades como Passos, Formiga, Itaú, Pratápolis etc. Expulsos de suas terras, de suas casas, perderam seus amigos, parentes, os referenciais da sua cultura, as festas religiosas e muitos deles até a vontade de viver. Basta lembrar a quantidade de suicídios, até hoje nunca levantada, mas que se sabia apenas pelo boca a boca ou ainda as dezenas ou até mesmo centenas de outros casos, principalmente entre os mais idosos, de depressão, de desilusão com tudo, encontrando a fuga no álcool, por exemplo. Uma população inteira aniquilada para que Guapé, Minas, pudesse ajudar a impulsionar o progresso das grandes capitais do sudeste, garantindo a energia necessária para o florescimento da indústria nacional. Esse era o único lado ressaltado pela mídia da época.
Quem tinha condições, já tinha fugido para outros lugares, os empregados de Furnas que até então agitavam a cidade também já tinha ido embora. Restou uma cidade, que já não era a sua cidade, pois o que existia de melhor a água havia tomado, até a igreja matriz, a praça, a cadeia, os correios – praticamente só sobrara o cemitério.
Pelas ruas andarilhos, sem emprego, nem na cidade e nem nas roças, a se perguntarem porque tanta desgraça sobre um povo pacífico e religioso a quem só restava esperar pelo fim.
Por fim a mais trágica das ironias, quando por vários meses, após o represamento, a cidade se encontrava praticamente às escuras uma vez que o motor a diesel do antigo prédio abandonado do ginásio não conseguia produzir energia suficiente – restava o consolo de, em noites de lua cheia, contemplar de suas janelas, uma verdadeira estrada real, emoldurada sobre a superfície das águas. Só muito tempo depois uma linha de transmissão trouxe luz para Guapé, contrariamente ás capitais que há muito tempo eram iluminadas com a energia produzida pela usina de Furnas.
POR: AVILA – jun22