Autoridades sanitárias de dezenas de países estão intrigadas com os casos de hepatite aguda de origem desconhecida que tem afetado crianças e adolescentes desde, pelo menos, outubro do ano passado. A doença já levou 348 pacientes pediátricos em 20 países à emergência de hospitais. Alguns deles precisaram de transplante de fígado. No Brasil, 17 diagnósticos estão sob investigação.
A principal característica em comum de todos os pacientes é que eles não apresentam infecção por nenhum dos cinco vírus causadores de hepatite, nem tiveram exposição em comum a algum agente tóxico capaz de desencadear a doença.
O ECDC (Centro Europeu de Controle de Doenças) emitiu recentemente um documento em que orienta os países-membros na classificação dos casos.
A diretriz, todavia, não considera que existam casos confirmados, justamente porque a suspeita é feita a partir da eliminação de outras causas, não havendo um exame específico para confirmar esse tipo de hepatite.
O órgão trata como caso provável “uma pessoa com hepatite aguda (vírus não-hepatite A, B, C, D e E*) com aspartato transaminase (AST) ou alanina aminotransferase (ALT) acima de 500 UI/L, que tenha 16 anos ou mais jovem, desde 1 de outubro de 2021”. AST e ALT são enzimas do fígado que indicam lesão no órgão quando são liberadas no sangue.
Os principais sintomas registrados nos hospitais ao redor do mundo são icterícia (pele e parte branca dos olhos amareladas), que se dá pela incapacidade do fígado no processamento ideal de glóbulos vermelhos do sangue, e manifestações gastrointestinais, como dor abdominal, vômito, diarreia e náusea.
Outros sinais de doença aguda do fígado podem incluir:
• Febre
• Cansaço
• Perda de apetite
• Dor abdominal
• Urina escura
• Fezes de cor clara
• Dor nas articulações
Onde a hepatite aguda em crianças e adolescentes já foi detectada
• Reino Unido
• Estados Unidos
• Canadá
• Espanha
• França
• Áustria
• Alemanha
• Polônia
• Irlanda
• Holanda
• Noruega
• Dinamarca
• Itália
• Romênia
• Bélgica
• Israel
• Japão
• Argentina
• Panamá
• Indonésia
No Brasil, quatro estados investigam casos de pacientes cujos sintomas e exames laboratoriais apresentaram características semelhantes aos observados nestes países.
Rio de Janeiro
A Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro informou que há seis casos suspeitos, sendo três na capital (uma criança de 4 anos, uma criança de 8 anos e um bebê de 2 meses), um em Niterói (criança de 3 anos) e um a Araruama (criança de 2 anos). Ainda segundo a pasta, a morte de um bebê de 8 meses também é objeto de apuração.
São Paulo
Há sete casos suspeitos de hepatite aguda provocada por agente desconhecido em pacientes pediátricos sendo acompanhados pelo CVE (Centro de Vigilância Epidemiológica) do Estado de São Paulo.
De acordo com o órgão, os pacientes são da capital, São José dos Campos e Fernandópolis. “Apenas dois destes pacientes estão internados e os demais evoluem bem”, diz a Secretaria de Estado da Saúde.
Paraná
A Secretaria de Estado da Saúde paranaense divulgou três casos suspeitos, sendo que um já foi descartado. Outros dois diagnósticos, de meninos de 8 e 12 anos, continuam em apuração.
Santa Catarina
O estado acompanha dois casos, sendo um notificado no dia 4 de maio. Trata-se de uma criança de 7 anos que foi internada em um hospital de Itajaí. O paciente apresentava quadro de hepatite aguda, caracterizado por icterícia, náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal. Após evoluir bem, ela recebeu alta no dia 9.
O segundo caso foi de um paciente de 16 anos que apresentou sintomas como náuseas, vômito, sonolência, urina de cor escura e febre no dia 29 de abril. Exames realizados em um hospital de Balneário Camboriú mostraram alterações nas enzimas hepáticas.
“Ele aguarda resultado de exames para hepatite do tipo A, sendo negativo para os tipos B e C, além de outros exames complementares. O jovem não necessitou internação e está sendo acompanhado em casa pela vigilância epidemiológica estadual e municipal”, diz a secretaria em nota.
Quais as suspeitas da origem?
Adenovírus pode estar associado aos casos
REPRODUÇÃO/USCDCP/DR. G. WILLIAM GARY JR..
As investigações epidemiológicas e laboratoriais sugerem que pode haver uma relação entre a hepatite e a infecção pelo adenovírus 41F, causador de gastroenterite em crianças, mas sem histórico de provocar lesões no fígado, segundo o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos.
Ocorre que nem todos os pacientes que desenvolveram a doença tiveram exames positivos para o adenovírus 41F. Alguns tinham sido infectados pelo coronavírus causador da Covid-19.
“Neste momento, a causa das doenças relatadas nessas crianças ainda é desconhecida. Embora o adenovírus tenha sido detectado em algumas crianças, não sabemos se é a causa da doença. Não sabemos e estamos investigando qual o papel de outros fatores nesta doença, como a exposição a toxinas ou outras infecções que as crianças possam ter”, informa o CDC.
A Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), braço da OMS (Organização Mundial da Saúde) no continente americano, esclarece que algumas infecções graves por adenovírus provocaram hepatite em pacientes imunocomprometidos ou transplantados, por exemplo.
“No entanto, essas crianças não correspondem a essa descrição – elas eram previamente saudáveis.”
A OMS ressalta que existem mais de 50 tipos de adenovírus que podem causar doenças em humanos, sendo que o 41 geralmente causa diarreia, vômito e febre, muitas vezes acompanhados de sintomas respiratórios.
“Fatores como aumento da suscetibilidade entre crianças pequenas após um nível mais baixo de circulação de adenovírus durante a pandemia de Cocivd-19, o potencial surgimento de um novo adenovírus, bem como a coinfecção por Sars-CoV-2, precisam ser mais investigados”.
A organização reforça que não há evidências que suportem relação com as vacinas contra a Covid-19.
As hipóteses relacionadas aos efeitos colaterais das vacinas Covid-19 não são suportadas atualmente, pois a grande maioria das crianças afetadas não recebeu a vacinação contra a Covid-19.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE
A entidade avalia que não há informações suficientes para definir se há um surto. Por esta razão, considera o risco global baixo.
“É possível que estejamos tomando conhecimento de uma situação que existia antes, mas que passou despercebida porque eram poucos os casos”, acrescenta.
Como é feito o tratamento?
Os pacientes que apresentem sintomas de hepatite, seja qual for a origem, devem ser tratados de forma a aliviar os sintomas e deixá-los estáveis.
Uma dieta adequada e repouso podem ser suficientes em alguns casos. A maioria deles evolui sem complicações.
Todavia, em indivíduos com insuficiência hepática, a única solução é o transplante de fígado.
Como proteger as crianças e adolescentes?
O desconhecimento que ainda existe acerca desse tipo de hepatite faz com que medidas de controle eficazes não possam ser estabelecidas, segundo o ECDC.
“A exposição fecal-oral a vírus como adenovírus é mais provável para crianças pequenas. Recomendamos, portanto, reforçar as boas práticas gerais de higiene (incluindo higiene cuidadosa das mãos, limpeza e desinfecção de superfícies) em ambientes frequentados por crianças pequenas”, pontua o órgão.
A Opas sugere também medidas que protejam da infecção pelo adenovírus. O uso de máscaras é uma delas, além da etiqueta respiratória (cobrir a boca ao tossir ou espirrar).
Sendo algo ainda raro, o mais indicado por especialistas é que os pais observem os sintomas da doença e, ao suspeitarem de hepatite, procurem um serviço de saúde.
COM: R7/MS/SAÚDE/AG BRASIL