08/04/2025 - 4 minutos para saber
Muita gente pensa que a burrice é própria de pessoas humildes, sem arrogância. Isso não é verdade. Existe essa imagem da pessoa sem educação como aquele pobre camponês simples desprovido de escolaridade e que tem uma atitude resignada diante da vida. Essa percepção não condiz com a realidade da burrice.
O burro, o ignorante, é quase necessariamente soberbo.
Isso porque lhe faltam dados para compreender a realidade. A realidade, para o
burro, é muito pequena. E exatamente por não conseguir abarcar abstrações
maiores, ele precisa defender agressivamente seu microterritório cognitivo. O
burro sabe muito pouco sobre o mundo, e esse pouco precisa ser defendido para
garantir sua segurança existencial. A essa defesa damos o nome de arrogância.
Estamos tão anestesiados pela imoralidade e pelo caos da
sociedade brasileira que mal notamos que essa postura arrogante tem tomado
conta de todo o nosso horizonte social. Mas é fácil evidenciar isso, pois a
decadência intelectual no Brasil é um fenômeno que se manifesta tanto em dados
estatísticos como nos hábitos de consumo midiático. Observa-se um
empobrecimento do debate público e uma valorização crescente da mediocridade,
que parecem ter se tornado normas sociais.
Um dado estatístico alarmante, mas ao qual não foi dada a
devida atenção, foram as pesquisas conduzidas por Jakob Pietschnig e Martin
Voracek, da Universidade de Viena. Os estudos revelaram que, de 31 países
analisados, o Brasil foi o único a apresentar redução no quociente de
inteligência (QI). Dados compilados entre 1930 e 2004 mostraram uma diminuição
de 0,12 ponto de QI por ano em crianças de Belo Horizonte. Entre 1987 e 2005,
crianças de Porto Alegre apresentaram uma queda de 0,04 ponto anual. Esses resultados
sugerem não apenas falhas no sistema educacional, mas também sua consequência
natural: uma transformação cultural que privilegia o superficial em detrimento
do profundo, o fácil em detrimento do complexo.
Reparem que gente burra geralmente se sente com muita razão. São os que gritam mais, fazem mais alarde etc. É por isso, inclusive, que a expressão midiática da burrice é sempre o sensacionalismo. É necessário o alarme, a apelação, a gritaria, a pornografização de tudo
Essa estatística tem respaldo na cultura. Um exemplo
emblemático dessa decadência é o sucesso de programas como o podcast PodPah. Há
toda uma onda de memes surgindo organicamente na internet que mostram as
grandes peripécias cognitivas de seus apresentadores — desde confundir a
cultura celta com o carro Celta (sim!) até não saber o significado da palavra
“patológico”.
A atuação está abaixo do vergonhoso. Apesar de respeitar
o espírito empreendedor e a vontade de crescer, precisamos reconhecer a grande
pobreza cultural atestada no programa. Também não devemos culpá-lo. Programas
assim são reflexos de uma cultura que já vem se estabelecendo há muitas
décadas. Dos filmes Jackass à superficialidade de canais como MTV, essa
preferência por conteúdos vazios não é um fenômeno isolado, mas consequência de
um processo histórico.
Em Amusing Ourselves to Death (1985), por exemplo, Neil
Postman argumenta que a televisão transformou o discurso público em
entretenimento superficial — degradando a política, a educação, a religião e
praticamente todas as esferas da vida pública. Ao substituir a era da
tipografia, marcada pela profundidade intelectual, pela era da imagem, a
televisão moldou a sociedade para valorizar o espetáculo acima da substância.
Postman mostra como o entretenimento se tornou a principal forma de
comunicação, onde debates políticos viram shows e questões complexas são
reduzidas a slogans simplistas.
É por isso que o brasileiro tem consumido, cada vez mais,
o que poderíamos chamar de "entretenimento burro". Influenciadores e
apresentadores sem qualquer embasamento cultural ou intelectual tornam-se cada
vez mais referências de atuação. O problema não reside apenas na risada fácil,
mas na construção de uma mentalidade que desvaloriza o conhecimento e a
reflexão verdadeira.
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aceitáveis
A solução para esse problema deveria passar pela presença do homem sábio na sociedade. Por mais clichê que esse termo possa parecer, é somente através da presença exemplar e edificante de pessoas bem formadas que será possível – através de uma estratégia de contágio natural – diminuir essa decadência. Ou, pelo menos, criar espaços onde o convívio seja diferente. É necessário resistir à tentação do superficial e buscar o que edifica, o que desafia e o que amplia os horizontes intelectuais.
Por isso, precisamos ficar atentos aos traços da sabedoria. Reparem que o homem sábio percebe que a realidade é muito grande, que as verdades são cheias de nuances – e, por isso mesmo, precisam ser vistas com cuidado. Essa abertura ao real gera um fenômeno duplo: de um lado, restrição no julgamento; por outro, a paz própria de quem entendeu algo da realidade. A humildade comumente vem acompanhada da paz, pois o sábio não sente a necessidade de defender-se. Isso porque captou a realidade e compreende que ela é inabalável. Que a verdade existe e podemos apreendê-la.
É dessa constatação que surge a personalidade original,
tão vacante em nossa sociedade. Falta-nos aquela figura do homem que se entende
capaz de apreender a realidade e não tem medo do desconhecido. E, por não ter
medo, ele pode agir no mundo de maneira criativa, ordeira e pacífica, sem
arrogância – iluminando todos à sua volta com inventividade e inteligência.
Basta constatar a falta de personalidades assim na sociedade brasileira para
atestar o grande necrotério intelectual que nosso país se tornou.
Por: Matheus Bazzo / Lumine