A discussão sobre o uso de tecnologias como a internet por crianças tem sido um campo de batalha para pais e cuidadores. As dúvidas são muitas: qual é a idade certa para introduzir smartphones? Qual é o impacto dos dispositivos digitais no desenvolvimento infantil? Recentemente, uma nova meta-análise publicada no JAMA Pediatrics oferece respostas fundamentadas para essas questões, fornecendo orientações baseadas em evidências para pais e responsáveis sobre o usa da internet por crianças. Trago aqui as descobertas apresentadas por Jacqueline Nesi e Cara Goodwin, duas especialistas que interpretaram esse estudo em profundidade.
A pesquisa, conduzida por uma equipe de 17 pesquisadores australianos, buscou entender os efeitos do uso de telas no desenvolvimento cognitivo e psicossocial de crianças de 0 a 6 anos. Os pesquisadores analisaram mais de 12.000 estudos, selecionando 100 que atendiam a critérios rigorosos para serem incluídos em uma revisão sistemática e meta-análise. Ao todo, os estudos incluíam dados de 176.742 crianças de 30 países diferentes, oferecendo uma visão ampla e diversificada sobre como a exposição às telas e à internet pode afetar os pequenos.
''Os estudos mostraram que o uso frequente de dispositivos pelos pais durante momentos de interação (como refeições ou brincadeiras) está associado a piores resultados psicossociais para as crianças''
Jacqueline Nesi, psicóloga clínica e professora da Brown University, e Cara Goodwin, psicóloga infantil e fundadora do Parenting Translator, destacaram que o foco da análise não era apenas na quantidade de tempo de tela e internet pelas crianças, mas principalmente no tipo de conteúdo consumido e no contexto em que as telas são usadas. "O que realmente importa é a qualidade do conteúdo e como ele é utilizado", disse Jaqueline Nesi em entrevista, enfatizando a importância de contextos apropriados de uso de tecnologia.
A seguir, as seis principais recomendações derivadas das conclusões da pesquisa:
Evite o uso de telas durante interações com seus filhos
Os
estudos mostraram que o uso frequente de dispositivos pelos pais durante
momentos de interação (como refeições ou brincadeiras) está associado a
piores resultados psicossociais para as crianças. Esse fenômeno,
conhecido como "tecnoferência", pode levar as crianças a desenvolverem
problemas comportamentais, além de perderem oportunidades de aprendizado
de habilidades sociais importantes. "Minimizar as distrações
tecnológicas durante esses momentos pode melhorar a qualidade da
interação com as crianças", ressaltou Goodwin.
Escolha conteúdo de qualidade e apropriado para a idade
O
consumo de conteúdo inadequado, como programas violentos ou com temas
adultos, mostrou-se prejudicial ao desenvolvimento social e emocional
das crianças. Por outro lado, programas educativos e focados em
habilidades socioemocionais podem ter efeitos positivos, melhorando a
alfabetização e a capacidade emocional. Aplicativos interativos também
se mostraram mais benéficos que a visualização passiva de vídeos.
Use telas em conjunto com seus filhos sempre que possível
A
prática de "co-uso" ou "co-visualização" está associada a melhores
resultados cognitivos, como o desenvolvimento da linguagem e funções
executivas. Fazer perguntas sobre o que a criança está assistindo e
explicar conceitos durante a experiência pode ajudar a conectar o
conteúdo com o mundo real, aumentando o aprendizado. "Transformar a
experiência de assistir em uma conversa é uma forma poderosa de promover
o desenvolvimento", afirma Nesi.
Evite TV de fundo enquanto a criança realiza outras atividades
A
exposição a programas de TV em segundo plano distrai as crianças e
dificulta sua capacidade de se concentrar em outras tarefas. Estudos
associaram a TV de fundo a resultados cognitivos e psicossociais
inferiores, sugerindo que é melhor evitar essa prática sempre que
possível.
Não se preocupe demais com o conteúdo acelerado
A pesquisa
revelou que a velocidade dos programas não é um fator determinante na
maioria dos casos. Embora algumas pesquisas apontem efeitos negativos ou
positivos, a maioria não encontrou um impacto significativo dos vídeos
curtos e rápidos. Portanto, se o programa for adequado para a idade e de
alta qualidade, a velocidade do conteúdo não precisa ser um fator de
preocupação.
Evite usar telas como única ferramenta para acalmar as crianças
O
uso de dispositivos como meio de acalmar as crianças em momentos de
angústia pode impedir que elas aprendam outras estratégias de regulação
emocional. Embora poucos estudos tenham abordado essa questão, a
recomendação é ensinar técnicas alternativas, como respiração profunda e
comunicação sobre os sentimentos.
Fonte: Gazeta do Povo