quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

ENDEREÇO DO ESQUECIMENTO: CONHEÇA A VILA ONDE RESIDEM APENAS MORADORES COM DEMÊNCIA


Como funciona vila na França criada para receber só moradores com demência  | Mundo | G1

30/12/2023 
 

Na vila de Landais Alzheimer, localizada no sudoeste da França, uma peculiaridade a destacar: todos os residentes têm demência.

Na praça principal, a mercearia oferece itens essenciais, como a indispensável baguete, mas não aceita dinheiro, eliminando assim a necessidade de se preocupar com a carteira.

Na vila, o ex-agricultor Francis retira seu jornal diário, e proponho tomarmos um café no restaurante que serve como o centro social da comunidade.

Ao perguntar a Francis sobre o momento em que o médico lhe comunicou que ele tinha Alzheimer, ele balança a cabeça, recuando para aquele período. Após uma pausa, ele compartilha: “Foi muito difícil”.

Apesar de seu pai também ter tido Alzheimer, Francis continua sem medo. Ele afirma: “Não tenho medo de morrer, pois isso acontecerá um dia. Enquanto isso, viverei minha vida apesar da doença. Estou aqui para viver, mesmo que não seja da mesma forma. Se você se render, você se entrega. Então você segue em frente, na medida das suas possibilidades”.

Além da mercearia e do restaurante, os moradores são incentivados a participar de apresentações teatrais e outras atividades.

Philippe e Viviane afirmam que continuam a viver uma vida o mais normal possível após o diagnóstico de demência.

“Fazemos passeios. Caminhamos”, diz Philippe, olhando para o horizonte.

Quando questionados sobre sua felicidade, Philippe rapidamente vira a cabeça e, com um sorriso radiante, responde: “Sim, estamos felizes, de verdade”.

Após terminar o café e vestir roupas quentes, o casal retorna ao parque.

O tempo tem uma dinâmica diferente aqui, explica meu guia na vila. Não há horários rígidos para consultas, compras ou limpeza. Existe apenas um ritmo suave para os residentes, proporcionando-lhes o máximo de liberdade possível.

A vila, parte de um projeto de pesquisa, está sendo cuidadosamente monitorada.

A professora Hélène Amieva afirma que os resultados iniciais sugerem que a vila está realmente influenciando o curso da doença.

“O declínio cognitivo acelerado que costumávamos observar quando as pessoas entravam em instituições não é observado nesta vila”, diz ela. “Estamos testemunhando uma evolução suave. Temos motivos para acreditar que instituições desse tipo podem impactar a trajetória dos resultados clínicos”.

Além disso, observou-se uma “redução drástica” nos sentimentos de culpa e ansiedade das famílias, relata a pesquisadora.

Apontando para sua mãe, Mauricette, de 89 anos, sentada em seu quarto, Dominique diz: “Estou tranquila, pois sei que ela tem paz de espírito e está em segurança”.

O quarto, decorado com fotos familiares, pinturas e móveis da família, possui uma grande janela voltada para o jardim.

Sem horários de visita, as pessoas entram e saem à vontade. Dominique destaca que ela e suas irmãs não esperavam que o cuidado fosse tão excepcional.

“Quando a deixo, fico tranquila. Quando chego, é como se estivesse em casa dela – estou em casa com minha mãe”, diz ela.

Cada chalé térreo acomoda cerca de oito moradores, com cozinha comunitária, salas de estar e jantar.

Embora os moradores contribuam financeiramente, os custos de operação (semelhantes aos de uma casa de repouso convencional) são principalmente cobertos pelo governo regional francês, que investiu mais de R$ 100 milhões para criar a vila.

Inaugurada em 2020, a vila foi a segunda desse tipo, sendo a única integrante de um projeto de pesquisa.

Acredita-se que existam menos de uma dúzia de comunidades como essa em todo o mundo.

Esse modelo tem despertado interesse global daqueles que buscam soluções para o previsto aumento exponencial dos casos de demência.

No salão de beleza da vila, Patricia, de 65 anos, recém-penteada, compartilha como Landais Alzheimer lhe devolveu a vida.

“Eu estava em casa, mas estava ficando entediada”, diz ela.

“Tinha uma senhora que cozinhava para mim. Estava cansada. Não me sentia bem. Sabia que o Alzheimer não era fácil e estava com medo”.

“Eu queria estar em algum lugar onde pudesse ajudar também... Diferente de outras casas de repouso, aqui é a vida real. Quando digo real, quero dizer real”.

A demência muitas vezes pode isolar as pessoas, mas aqui parece haver um forte senso de comunidade, com pessoas genuinamente interessadas em se conectar e participar de atividades.

Os pesquisadores destacam que esse componente social pode ser parte fundamental para viver uma vida mais feliz e, possivelmente, mais saudável com demência.

A vila abriga cerca de 120 moradores, igual número de profissionais de saúde e voluntários.

Embora a condição não tenha cura conhecida, à medida que a doença progride para cada residente, o apoio necessário é fornecido.

E embora este possa ser o inverno da vida desses aldeões, os funcionários acreditam que ele chega mais lentamente e com mais alegria ao longo do caminho.

COM INFORMAÇÕES DO VALOR ECONÔMICO